quinta-feira, março 30, 2006

Estigmas culturais



A National Association of Theatre Owners (Associação Nacional de Proprietários de Cinemas dos Estados Unidos) planeia bloquear o sinal de rede dos telemóveis dentro das salas de Cinema, depois de constantes demonstrações de falta de educação terem gerado inclusivamente brigas dentro das salas, enxovalhando o nome do estabelecimento nas colunas de reclamações da imprensa jornalística.

Qual a minha reacção à respectiva intenção? Palmas efusivas, apoio fervoroso e promessa de fogo de artifício à escala de uma explosão de energia em território solar, caso a proposta seja aprovada. Mesmo que estes desígnios vinguem na terra cujo presidente eleito não recebe a maioria de votos eleitorais, tal fórmula apenas chegará ao território infestado por uma densidade populacional que sofre de amnésia das suas raízes culturais, no mesmo dia em que tivermos uma longa-metragem de ficção científica. É verdadeiramente revoltante ingressar na mística escuridão de uma sala de Cinema, acomodar-me no aconchego dos seus aposentos (AMC falando, claro está) e ser incomodado pelo grasnar espalhafatoso de um indivíduo que recebe uma chamada ao som do abjecto toque da verborreia musical de James Blunt; ou pelo ruminar de um pacóvio qualquer que chafurda no balde pipocas salpicando as pessoas que o rodeiam; ou pelo grupo de adolescentes armados em sniper que usam um laser para provocar gargalhadas mentecaptas; ou pelas patadas sísmicas de um asno que se encontra na poltrona da nossa retaguarda; ou pelo par que se chucha mutuamente naquele território sagrado (pelo menos para mim), porque de forma papalva decide desperdiçar euros quando se poderiam galar de forma gratuita e sem incómodo noutro local do género… sei lá… talvez… em CASA!!

Talvez um dia esta fantochada cesse. Prevejo que tal aconteça no exacto dia em que os responsáveis da série “Morangos com Açúcar” recebam um Oscar depois de adaptarem cinematograficamente “Os Lusíadas”, caracterizando o Adamastor com um penteado radical, olhos verdes e apaixonado por uma voluptuosa Vénus de lábios carnudos, que por sua vez terá um caso escaldante com um Vasco da Gama bronzeado, que se pavoneia de tronco desnudado junto de indígenas ninfomaníacas.

quarta-feira, março 29, 2006

The Lovely Bones



Numa entrevista à Dark Horizons, Peter Jackson confirmou ter iniciado há duas semanas a redacção do argumento para o seu novo projecto: a adaptação cinematográfica do best-seller de Alice Sebold, “The Lovely Bones”. Jackson afirmou que irá aproveitar a tranquilidade após o frenesim dos projectos megalómanos da trilogia “The Lord of the Rings” e do remake de “King Kong”, para investir a sua atenção numa obra mais intimista ao estilo do seu filme de 1994 “Heavenly Creatures”. Os direitos sobre a adaptação do romance foram adquiridos com o dinheiro do próprio Jackson e da sua parceira Fran Walsh e encontra-se sem qualquer vínculo a um estúdio ou interferência de prazos, pois Jackson apenas pretende entregar o filme a uma distribuidora quando ficar completamente satisfeito com o texto adaptado. O projecto havia sido ponderado por vários estúdios, mas todos rotularam a sua adaptação de «inexequível». Foi então que Jackson se chegou à frente e explicou que o seu fascínio e respectiva complicação residem na criação da emotiva atmosfera etérea experimentada pela protagonista.

Em “The Lovely Bones” conhecemos Susie Salmon, uma menina de 14 anos que já se encontra no… Céu. Num relato cândido e imperturbável, a pré-adolescente descreve os eventos horríficos da sua morte (após violação) e o seu processo de integração na sua nova e estranha localidade. Com amor, saudade e crescente compreensão, Susie observa numa plataforma celeste a forma como a sua família lida com o desespero da sua perda no difícil processo de cicatrização emocional.

segunda-feira, março 27, 2006

"V for Vendetta", de James McTeigue

Class.:



Explosões intelectuais em baldes de pipoca

Hollywood tem vindo a repercutir vibrações de meados da década de 70, quando o funesto dialecto político era desmascarado criativamente por filmes de Costa Gavras (“Z”), Sidney Lumet (“Murder on the Orient Express”), Alan J. Pakula (“All the President's Men”) ou Francis Ford Coppola (“The Conversation”). Recentemente, filmes de baixo orçamento como “Good Night, and Good Luck.” materializaram investidas mediáticas junto da população americana com questões inomináveis. De forma impensável, sob a choruda chancela financeira da Warner surge “V for Vendetta”, um filme que abrange questões sócio-políticas, num formato rotulado como entretenimento para retardados: blockbuster.

A Inglaterra de 2020 não se encontra muito distante de “1984” de George Orwell. O país encontra-se sob o controle de um regime totalitário, no qual as pessoas são vigiadas constantemente pelo aparelho repressor apresentado por Orwell. Neste cenário de opressão surge um anarquista que se apresenta com o cognome "V", uma espécie de Fantasma da Ópera misturado com Zorro (sem o lenço efeminado ao pescoço) usando uma máscara que homenageia Guy Fawkes, o conspirador que tentou explodir o parlamento inglês e destituir o rei James I. A história gira em torno de Evey (Natalie Portman com um sotaque inglês volúvel), uma jovem que é salva de uma situação de vida ou morte por V (Hugo Weaving num portentoso trabalho de eloquência física e inflexão verba, que evoca o desempenho notável de Eric Stoltz em “Mask”). Utilizando tácticas terroristas para atacar o sistema, V convoca os seus compatriotas numa revolução contra o império de tirania.



O incendiário romance gráfico que inspirou este filme foi escrito por Alan Moore e ilustrado por David Lloyd. Moore é o criador de “The Watchmen” – uma obra magistral que representa uma das melhores criações BD de todo o sempre – e de duas obras que originaram filmes no mínimo insonsos (“From Hell”, “The League of Extraordinary Gentlemen”). Devido ao vil tratamento na adaptação das obras referidas e juntando a sua faceta de arrogante empertigado que se considera intelectualmente superior ao resto da população mundial, Moore excluiu o seu nome do projecto rotulando o argumento de «lixo». Contudo, o ilustrador David Lloyd aprovou a adaptação dos irmãos Wachowski, que pelejaram para actualizar a BD da década de 80 sobre as tácticas de Margareth “Dama de Ferro” Thatcher. Além da atenção que os irmãos-que-não-concedem-entrevistas depositam nas actuais políticas geo-estratégicas, existem ainda menções à gripe das aves e até à escassez de água, para incutir vibrações contemporâneas na adaptação. Mesmo aqueles que se estejam a marimbar para a temática do filme, poderão sorver algo que se demarca dos arquétipos exaustivamente metralhados num género de Hollywood (Adaptação BD), gerando entretenimento com ideias. Assim sendo, em que planeta poderá este intento ser condenável?
Tecnicamente, o filme evoca o imaginário operativo fascista, com vermelhos e negros alusivos e recebe a destreza da composição musical de Dario Marianelli. Apesar de embrulhado num nobre conceito de ficção científica (mesclando mito, história, alegorias políticas e teorias da conspiração), a fluidez do filme sofre com um ritmo algo enferrujado. A estreia de James McTeigue (director assistente dos irmãos Wachowski na trilogia Matrix) na cadeira de realização tem os seus momentos, - especialmente na nota poética da manipulação de sombras no assassínio da derradeira responsável de Larkhill - mas carece do arrojo para a concepção de cenas extasiantes. Ao contrário de “The Matrix” (o original de 1999! Ignorem o resto…) que arrebatou como festim cinematográfico e despontou reflexões políticas, culturais e existenciais no despertar pós-impacto, “V for Vendetta” coloca a ideologia no topo da montanha e só depois providencia um espectáculo visual para transmitir a mensagem. Ironicamente, para um filme que argumenta que certos actos de violência poderão ser justificados, “V for Vendetta” apresenta muito poucos e medianos. O trailer prometia um espectáculo de acção, mas inserido nesse género o filme falha, apoiando-se desajeitadamente em esquematizações estereotipadas e descurando identidade própria.


O ponto máximo do filme é definitivamente o argumento exímio dos irmãos Wachowski. Depois de chafurdarem conceptualmente na encomenda das sequelas de “The Matrix” (“Reloaded” e “Revolutions”), é extraordinário verificar a complexidade emocional imbuída na inesquecível e arrepiantemente emotiva história de Valerie, bem como o tremendo significado do beijo que os lábios quentes de Evey encontram na resposta fria da máscara de V, autenticando definitivamente a identidade e propósito do mascarado.
Ao declarar um edifício como um símbolo e a sua destruição como um alerta para a contaminação das veias administrativas da nação, os irmãos Wachowski alfinetam magistralmente um ponto sensível americano. Existe uma arquitectura britânica, mas a silhueta das torres gémeas ensombra as linhas densas do argumento. Será que a democracia mundial resvala de forma inquietante em direcção a um regime totalitário? Será “V” um terrorista ou um Soldado da Liberdade? Qual a diferença que distingue exactamente tais epítetos? Se “V” é um terrorista, porque será moralmente superior um governo que controla a população através do medo? Subtilmente, o filme manifesta a psicologia enviesada do terrorismo quando nos julgamos militantes do lado justo da contenda. A mensagem será exultada por alguns e aviltada por muitos que a apelidam de pró-terrorista. A única explicação que encontro para a aldrabice de tal rótulo é a possibilidade dessas pessoas se terem equivocado na sala da projecção do filme em questão. Muitos poderão sucumbir à tentação de considerar “V” um herói, mas a figura interpretada por Weaving é apresentada como um lunático subversivo e a sua máscara evoca a mensagem sugerida pelo brilhante filme de Hiroshi Teshigahara, intitulado “Tanin no kao”: um homem privado de expressão deixa de ser humano. O filme analisa a natureza dos governos e do terrorismo, questionando a sua justificação, mas nunca o glorificando. As questões de poder e rebelião serão inconfortáveis para muitos, mas apenas num mundo em que pessoas que questionam métodos de Bush e companhia são rotuladas de simpatizantes do terrorismo, a posição deste filme poderá ser considerada irresponsável. A BD de Moore tinha Tatcher como vilã, mas nesta adaptação cinematográfica o vilão não é Bush. O verdadeiro vilão de “V for Vendetta” é a mesquinhez e preguiça do cidadão comum.
É bem verdade que “V for Vendetta” tropeça um pouco nas suas ambições, mas o facto de espicaçar o torpor político da audiência adolescente merece ressalva. Alvo de uma artística propaganda via cartazes publicitários, o filme foi claramente concebido almejando provocar furor no box-office, ou seja, apelando à enorme fracção de estroinice que sofre de letargia intelectual e prefere manter a massa cinzenta atenta ao conteúdo do balde de pipocas em detrimento do objecto cinematográfico em questão. Este é um filme municiado com ideias que não são geradas por computação gráfica, o que representa algo invulgar no vácuo hollywoodesco. Evocando princípios democráticos negligenciados, “V for Vendetta” exprime insatisfação com estratégicas geopolíticas, presenteando algo restrito em filmes com orçamentos exorbitantes e atingindo a população apática e distraída do Cinema mainstream através do acessível veículo de acção. “V for Vendetta” esquadrinha muito mais do que meras explosões, as suas cogitações provocativas elevam-se acima dos estilhaços que acarreta.

sexta-feira, março 24, 2006

FEST - Festival de Cinema e Vídeo Jovem



Amigos conterrâneos (e porque não forasteiros)... todos a Espinho!


P.S.: Cliquem na imagem acima exposta.

quinta-feira, março 23, 2006

Oldman é o último a assinar por HP5



Há exactamente um mês, reportava aqui no blog a ausência de propostas para a participação de Gary Oldman como Sirius Black no quinto filme da saga Harry Potter, intitulado “The Order of the Phoenix”. Tendo em conta a importância nevrálgica de Black no novo capítulo e após pressão dos fãs das aventuras do pequeno feiticeiro, a Warner Bros. decidiu finalmente oferecer o papel a Oldman após meses de misteriosa indecisão. O empresário do actor declarou a satisfação de Oldman pelo facto de integrar o projecto, que possui por sinal um belo argumento, segundo o parecer do Sr. Dracula. A estreia está prevista para 2007 e o filme será realizado por David Yates (responsável por séries de TV britânicas).

quarta-feira, março 22, 2006

Curiosidade de pacote de cereais



Após visionar alguns dos filmes iniciais de David Cronenberg, Martin Scorsese desejou conhecer o realizador de “A History of Violence”. Durante o encontro, Scorsese declarou que Cronenberg se assemelhava a um ginecologista de Beverly Hills. Por essa razão, Cronenberg concedeu mais tarde um cameo no seu filme “The Fly”, como o obstetra que participa no parto do bebé-larva.

segunda-feira, março 20, 2006

"A History of Violence", de David Cronenberg

Class.:



A sombra inominável da condição humana

Rotulado como o seu trabalho mais acessível, “A History of Violence” possui a essência dos pesadelos mais inquietantes de David Cronenberg, um mestre habituado a sugar-nos os miolos com uma palhinha. Tenso e atmosférico, “A History of Violence” é uma amálgama piromaníaca de polpa visual e conceitos incisivos, empacotados numa versão hiper-realística de um filme série B da década de 50. Esta meditação amarga sobre a violência é uma adaptação do romance gráfico de John Wagner e Vince Locke e segue a vida de Tom Stall (Viggo Mortensen), um pacato cidadão respeitado pelos seus conterrâneos. Juntamente com a sua esposa Edie (Maria Bello) e seus dois filhos Jack (Ashton Holmes numa promissora interpretação) e Sarah (Heidi Hayes), vive uma espécie de sonho americano numa recôndita vila. Mas como qualquer Jardim do Éden, ameaças de envenenamento pairam no seu firmamento.

Apesar de ser apregoado como um trabalho de encomenda, “A History of Violence” é claramente o trabalho de um artista com propósito. Flutuando a narrativa numa linha esbatida entre o sonho e a realidade, Cronenberg oferta um ensaio com implicações dramáticas sobre a natureza humana. É uma história sobre identidade e família, uma análise do papel da violência na sociedade. A sua envolvência macabra, mesclada com humor negro, questões profundas e respostas viscerais apelarão audiências a reexaminar as componentes do seu coração, experimentando sentimentos além do simples patamar teórico. Um dos seus feitos máximos é provocar respostas emocionais díspares e até ambíguas (riso em momentos rígidos e aplausos espontâneos perante violência impiedosa). A nossa mente, entranhas, libido e coração serão agitados, mas o tratamento das reacções será sempre equitativo por parte de Cronenberg, sejam estas simples ou complexas.

O carácter bifurcado das personagens é extraordinariamente amplificado pela batalha entre o Ego e a Identidade, que toma lugar nas suas mentes fracturadas. Ao som da subtil, embevecida, lacónica e insidiosa composição de Howard Shore, Viggo Mortensen e Maria Bello perpetram uma dança atilada, plena de propósito temático. Mortensen domina de forma escrupulosa uma linguagem facial que transmite universos de sentimentos, esfolando várias camadas de personalidade. Bello interpreta Edie com precisão física, colocando-se sempre de forma diferente ao pé de Mortensen. William Hurt e Ed Harris são impecáveis na concepção de personagens amargas, enclausurando misteriosos níveis de ameaça. Peter Suschitzky inicia o seu trabalho fotográfico submergindo o local de reunião familiar (cozinha) com raios de sol, mas cadenciadamente uma tonalidade de crepúsculo toma conta do ambiente, culminando numa soturnidade memorável. Incrível é igualmente a forma como a introdução do passado da personagem principal emerge lentamente através da colocação de diversos personagens numa recôndita sombra.



David Cronenberg sempre se encontrou um passo mental adiante de muitos cineastas e espectadores, escavando o seu próprio ninho no mascavado sistema de Hollywood (intelectualmente indisciplinado e pastoreado na direcção do Box-Office). Costuma ser etiquetado no género de Horror graças à forma como nos apresenta a vida de um ângulo grotesco, mas a sua versatilidade é um facto asseverado por películas que aparentam géneros fílmicos, mas habitam constantemente num cosmos acinzentado entre géneros. O cinema de Cronenberg é um cinema científico, vagueando entre as parábolas de “Shivers” e a obsessão corporal de “The Fly”, desfocado da sua configuração de progresso sadio, mas imerso na glacial ciência que disseca a humanidade em reacções químicas e alvoroços moleculares de “Dead Ringers”.

Existirá algum realizador tão obcecado na transformação/transgressão do corpo e mente?
No início, David Cronenberg esquartejava as suas obras com um horror assente num nível visceral, pescando as entranhas do nosso pavor com um anzol celular. Contudo, a sua filmografia presente confirma uma determinada exteriorização desse horror. Desde os fetishes sexuais de “Crash”, o realizador canadiano tem centrado a sua criação na exposição da intrínseca violência humana. Cronenberg foca a sua filmografia soberba no ubíquo fascínio humano pelos extremos, sejam psíquicos (“Scanners”), electrónicos ("Videodrome"), paranormais (“The Dead Zone”), científicos (“Shivers”, ou "The Fly"), médicos ("Dead Ringers"), narcóticos ("Naked Lunch"), eróticos ("Crash"), virtuais ("eXistenZ") ou psicológicos ("Spider"). Em “A History of Violence”, o cineasta exibe a extrema negação humana do seu intrínseco lado violento e respectiva reacção atarantada perante a consciencialização do lado negro do seu coração.



Orquestrando a violência irrepreensivelmente, Cronenberg demonstra-nos em “A History of Violence” como adoramos secretamente aquilo que condenámos publicamente. Utilizando arquétipos cinematográficos, o realizador quebra ilusões de norma social, numa lição sobre a pujança da violência passando de geração em geração como uma inseparável sombra da Humanidade. Centrado em actos axiomáticos de violência, o filme reflecte um dos factores intrínsecos ao Ser Humano: o seu longo e incontornável historial de violência. A violência encontra-se encadeada no nosso ADN, e tal instinto primário atiça os olhos do Homem com fascínio quando (por exemplo) perscruta um acidente rodoviário pelo vidro da sua viatura. A violência é inerente à componente humana e entre outras coisas é uma forma que o Homem utiliza por força (a palavra vem do Latim «vis» que significa «força») para tentar introduzir mudanças.

Nesta notável escavação sobre a dualidade da condição humana, a sensibilidade de Cronenberg atinge píncaros de excelência, com particular destaque para o sublime contraste temático entre duas cenas de sexo e a distinta atitude familiar no pequeno-almoço inicial banhado por uma luz solarenga, drasticamente alterada pela soturnidade na ceia final. O efeito de oblíqua redenção acentuado pelo silêncio arrepiante adorna um dos finais mais emblemáticos e memoráveis dos últimos tempos.

Existirá algum padrão para a essência primária de cada indivíduo? Quais as características que nos preenchem aquando da nossa criação? Somos aquilo que nos acompanha desde a génese ou somos moldados pelo ambiente que nos abrange? Seríamos capazes de sobreviver sem a inerente componente violenta? Será a violência justificada em algum momento? O que será que estabelece a nossa essência? Aquilo que somos, ou aquilo que fizemos? Quantos anos de mentira camuflada serão necessários para moldar a realidade que nos contorna? Como qualquer Obra-Prima da história da Sétima Arte, o filme ainda ecoa na memória decorridas horas sobre o seu visionamento, fomentando um extenso rol de cogitações que nos acompanharão durante dias. Duas das mais peculiares questões a desabrochar na mente, poderiam ser perfeitamente estas: Poderá um ouriço-cacheiro retirar os seus espinhos? Se tal acontecesse, a essência do ouriço pelado seria a mesma?

domingo, março 19, 2006

Momento Zen

sábado, março 18, 2006

Hail to Radiohead



Está encontrada a melhor notícia da semana.
Radiohead, a modelar banda inglesa liderada pela etérea voz carpida de Thom Yorke, irá ser responsável pela composição sonora de “A Scanner Darkly”, o novo filme de Richard Linklater. Apesar de já terem abonado músicas do seu reportório para alguns filmes (“Romeo + Juliet”, “Vanilla Sky” ou “L’ Auberge espagnole”) esta será a primeira investida na área da composição. O filme tem data de estreia mundial marcada para 7 de Julho.

sexta-feira, março 17, 2006

Adrian Lyne - o novo projecto



Adrian Lyne, o autor de um dos meus filmes de culto (o hipnótico “Jacob’s Ladder”), volta a liderar um projecto quatro anos após o mediano “Unfaithful”. O novo filme intitula-se “Two Minutes to Midnight” e lida com as temáticas predilectas do controverso cineasta: adultérios e casais em provação. A história, que começará a ser rodada a meio do ano, segue um advogado especializado em divórcios, que terá de se suicidar até à meia-noite, caso contrário a sua mulher será assassinada. Ainda não existem muitas mais confirmações, apenas rumores sobre uma possível inclusão de Tom Cruise como protagonista.

quinta-feira, março 16, 2006

"The Science of Sleep" - primeiro clip



O site Partizan apresentou o primeiro clip do novo filme de Michael Gondry, “The Science of Sleep”. Gael García Bernal desempenha Stephane, uma pessoa que fica aprisionada nos seus próprios sonhos pelas pessoas que lá habitam e tenta despertar para se apoderar do controlo das suas imaginações. Será que Gondry mantém o cativante nível estrambólico que o caracteriza? Cliquem na imagem acima exposta e retirem as vossas próprias conclusões destes fascinantes segundos.

quarta-feira, março 15, 2006

Uma nova perspectiva de Kong



Os leitores da Empire nomearam “King Kong” como o melhor filme do ano de 2005. Peter Jackson enviou um vídeo com um discurso de aceitação sui generis, incluindo bloopers, piadas visuais e a resposta à mítica questão sobre o transporte de Kong para a América. Para visionarem um belo momento de chalaças, cliquem na imagem acima exposta.

terça-feira, março 14, 2006

"Grind House" em Dezembro?



Dia 1 de Dezembro.
Representa o feriado nacional em celebração da Restauração da Independência em 1640, representa o dia mundial do combate à SIDA, representa o 335º dia do ano no calendário gregoriano (336º em anos bissextos), representa o início do mês familiar e suas celebrações natalícias, representa o início dos preparativos para a passagem de ano e representa a nova data para a estreia mundial de “Grind House” de Quentin Tarantino e Robert Rodriguez. Tarantino e Rodriguez escrevem e realizam, cada um, um filme de terror com 75 minutos de duração. O objectivo é homenagear as salas que se dedicavam a exibir filmes de terror há décadas atrás (grindhouses). Assim como na programação das grindhouses, o filme também vai incluir trailers preparados por realizadores convidados. Estes serão visionados no intervalo entre os dois segmentos principais.

Ou seja, tendo em conta a manutenção desta data de estreia mundial, após o adiamento da anteriormente referida (22 de Setembro), quando irá estrear o filme nas salas portuguesas? Aceitam-se apostas, mas devo admitir que este seria o filme de Natal ideal, para as minhas dementes predilecções.

segunda-feira, março 13, 2006

Parabéns Gustavo!



Esta homenagem era mais do que devida.
Já há algum tempo que não era tão assombrado por uma composição musical com o incorpóreo magnetismo daquela engendrada por Gustavo Santaolalla para “Brokeback Mountain”. É como se cada acorde fosse sentido a entranhar nas artérias da alma e esculpindo emoções. Apesar da forte concorrência da dupla nomeação do vulto John Williams (“Memoirs of a Geisha”, “Munich”), do sublime Alberto Iglesias (“The Constant Gardener”) e do competente Dario Marianelli (“Pride & Prejudice”), Santaolalla arrebatou o Oscar máximo na categoria Melhor Banda Sonora, exasperando os vencidos (e não só) com doses brutais de inveja, não apenas pelo galardão, mas também pelo abraço aconchegante de Salma Hayek aquando da consagração.
Parabéns Gustavo!

sexta-feira, março 10, 2006

"Pi", de Darren Aronofsky

Class.:



Convulsões existenciais

Pi” não representa a forma correcta para redigir o título deste filme de Darren Aronofsky. No título original figura um símbolo que identifica a 16ª letra do alfabeto grego ou a constante matemática que designa a razão entre o perímetro e o diâmetro de uma circunferência. Tal como o valor matemático de Pi (3.1415 prolongado ao infinito, sem repetir um padrão), o filme gera uma incessante especulação e magnetismo. Pitágoras foi um dos primeiros sábios a considerar que o mistério dos números oculta enigmas universais. Desde então, vários espíritos ávidos por conhecimento desenvolvem teorias com base na Numerologia e Aronofsky propõe-se a esquadrinhar a obsessão humana tendo como pano de fundo esta bruma existencial.
Apesar de figurar um símbolo no título, este filme não recebe a má reputação de “$”, o fiasco financeiro e qualitativo de Richard Brooks, que posteriormente foi intitulado de “Dollars” e por último “The Heist”. “Pi” coloca densas questões ao espectador numa jornada pelo abismo da obsessão, mas também poderá ser “tranquilamente” sorvido como um thriller, graças às suas batalhas psicológicas e às figuras sombrias do submundo conspirativo. Neste peculiar espécimen de horror psicológico expressionista, o jovem matemático Max Cohen (Sean Gullete) está convencido da existência de uma correlação deliberada entre padrões matemáticos e padrões existenciais. Max é um homem brilhante e atormentado, que está prestes a fazer a mais importante descoberta de sua vida. Durante os últimos dez anos, tenta descodificar o padrão numérico do maior sistema do caos ordenado: o mercado de acções. À medida que se aproxima da solução, o caos vai engolindo o mundo à sua volta. Perseguido por uma agressiva firma da Wall Street determinada ao domínio financeira, bem como por uma seita que tem a intenção de desvendar os segredos dos seus antigos textos sagrados, Max corre para descobrir o código, esperando resistir à loucura que o assola.

Vivemos numa era em que mentes inventivas brotam parte dos superiores filmes de ficção científica com base em admiráveis ideologias narrativas. No rescaldo da exacerbada manifestação de filmes sci-fi pós-trilogia original “Star Wars” (sendo uma elevada percentagem autêntico lixo), começam a despontar Obras-Primas de cineastas privilegiando ideias em detrimento de aparatosos efeitos especiais, como Proyas em “Dark City”, Shyamalan em “Signs” ou Kelly em “Donnie Darko”. Aronofsky forja com um orçamento indie um singular universo que surge na referida vaga.


As metáforas capturadas numa alucinada montagem encontram-se derramadas através do profundo simbolismo da película, quer entre espirais de fumo do tabaco ou nas espirais de leite dissolvendo numa chávena de café. Para fortalecer o significado circular do título, quase tudo no filme recebe infusões espirais e o próprio protagonista é sugado numa espiral de demência e alienação. Mas a perspectiva matemática desta Obra-Prima representa essencialmente os alicerces para a exploração construtiva dos limites criativos de Aronofsky: o génio que anos mais tarde nos presenteava com uma inquietante viagem às funduras do desespero e da auto-destruição: “Requiem for a Dream”. Quantos cineastas possuem instintos cinematográficos que transformam o simples acto de uma pessoa escrevinhando números, numa cena que acondiciona tensão equivalente a uma centena de perseguições automobilísticas?

Sean Gullete desempenha Max num consistente nível de afinação, com a gélida configuração de um intelecto superior, emanando ansiedade através das manifestações físicas e anímicas de alguém que procura condensar em padrões algorítmicos a realidade que o envolve. Quando sofre os ataques convulsivos sentimos uma surreal vibração dirigindo-se ao nosso encontro. A composição electrónica de Clint Mansell é perfeita para a disposição alucinada do filme e Matthew Libatique capta tudo numa cremosa fotografia preto e branco, extraindo uma significativa porção de cinzentos e deixando preciosos fragmentos para acentuar subtilmente as ideias de Max, a sua desorientação espiritual e o desespero da sua excursão psicológica. Aronofky adopta igualmente a bizarra Snorri-Cam (câmara firmada no corpo de um personagem) providenciando o auge da subjectividade para imergir o espectador no universo caótico da personagem.



Darren Aronofsky gera um embrião peculiar, apesar dos reflexos kafkanianos, da ficção científica de baixo orçamento e intensa agonia de “Tetsuo” de Shinya Tsukamoto, das reminiscências do perturbador “Eraserhead” de David Lynch, bem como do suspense paranóico de “Jacob’s Ladder”, o brilhante filme de Adrian Lyne que representa um dos mais assustadores retratos da vida citadina. “Pi” é uma obra ambígua com doses avultadas de estilo e substância. Graças ao trabalho de câmara, à iluminação dos cenários, à fotografia repleta de contrastes e à edição frenética, depressa sentimos uma inesperada urgência de ar nos pulmões. Ao utilizar 8mm durante uma bela porção da película e acrescentando a fotografia a preto e branco, Aronofsky remete-nos para um assombroso ambiente de pesadelo, numa críptica demanda pela paz interior. Colocando em evidência a eterna contenda entre ciência e religião, Aronofsky explana a sua leitura da tumultuosa conjuntura mundial. Independentemente da subscrição de tal conspecto, cada linha de diálogo está envolvida num potente significado e todas as forças do filme convergem para um final poderoso. Apesar de arrevesado para muitos, existe uma fenomenal costura dos fios surreais que unem o conto.
Pi” foi concebido com apenas 60000 dólares (sensivelmente o mesmo que Spielberg gasta a publicitar um filme) e Aronofsky foi laureado como Melhor Realizador no “Festival de Cinema de Sundance” em 1998. O filme impregna-se no espectador como um sonho febril, distorcido com imagens intrincadas que reflectem a mente paranóica de um indivíduo. O fervor idealístico que assinala as incursões iniciais de cineastas promissores extravasa em cada milímetro desta película. Paira a aura da hiperbólica energia cinematográfica de um realizador académico, mas o resultado final é uma consistente meditação sobre a existência e respectivas depressões febris, aprumada com fracções de genialidade numa primorosa paleta que congrega paixão (pelo conhecimento), amor (por uma entidade divina), dor, voracidade e conflagrações intelectuais.

quinta-feira, março 09, 2006

"Volver" - o trailer



O trailer para o próximo filme de Pedro Almodóvar, a comédia dramática “Volver”, já se encontra online.
Volver” será o 16º filme de Almodóvar, assente num dos seus territórios predilectos: o universo feminino e suas complexidades. Reproduzindo encontros de quintal entre vizinhas, Almodóvar recorda a sua mística iniciação como espectador, marcando um encontro com a sua génese e evocando a memória da sua mãe. O filme estreia para a semana no território de nuestros hermanos e para acederem ao trailer que oferece um primeiro vislumbre sobre o cariz emocional e visual do filme, cliquem na imagem acima exposta.

quarta-feira, março 08, 2006

Aronofsky declina "Lost"



Em Outubro de 2005, havia sido noticiado que Darren Aronofsky (“Pi”, “Requiem for a Dream”) iria realizar um episódio da série televisiva “Lost”, em meados de Maio. No entanto, Aronofsky declinou respeitosamente liderar um dos episódios da corrente temporada, graças a conflitos de agenda e ao facto de aguardar o nascimento do rebento da sua relação com a oscarizada Rachel Weisz (“The Constant Gardener”).


P.S.: É sempre bom relembrar que este será o ano da estreia do seu novo filme: “The Fountain”.

terça-feira, março 07, 2006

Para vossa consideração


Dia 6 de Março de 2006. O relógio tilinta as doze badaladas que celebram o início de um novo dia. Preparo uma bela chávena de capuccino e umas tostas de manteiga de amendoim e num acto de puro masoquismo, ligo o televisor no quarto canal televisivo (TVI), para enfrentar uma noite glacial no sofá da sala de estar, acompanhando a 78ª Cerimónia dos Oscars. Inevitavelmente a transmissão televisiva inicia as hostilidades com uma hora de flash interviews em plena carpete vermelha e instantaneamente sou assolado pelo repugnante asco provocado pela vibração de cinismo e hipocrisia que emana deste evento. Após constatar a presença de uma pindérica apresentadora da MTV, verifico como as questões tacanhas ainda contaminam aquele ambiente, graças à pergunta «capital» sobre quem veste Cavalli, Karan, Lagerfeld ou Armani. É revoltante verificar como ano após ano, maculam a Sétima Arte com estes medíocres sensacionalismos. Sim… eu sei que são os prémios da Indústria, mas possuo uma visão demasiado etérea de uma Arte que a maioria adora conspurcar com repugnâncias comerciais.

Finalmente, quando já ameaçava espatifar o televisor com um adorno da sala, termina o excruciante «prelúdio». A Cerimónia enceta com uma ignição genial, composta por um clip sublime no qual Steve Martin e David Letterman ironizam com “Village of the Damned” de John Carpenter e pela brilhante dissertação de Jon Stewart repleta de humor satírico. Após renitências iniciais do público, Stewart conseguiu gerar uma empatia genuína, ficando na retina a piada a Dick Cheney e a hilariante reacção de George Clooney a uma piada disparada pelo anfitrião na sua direcção. Após este prometedor início «efectivo», a Cerimónia prosseguiu com o rotineiro guião e sobre os eleitos colocarei apenas breves apontamentos de carácter pessoal.

Desde pequeno, nunca depositei autoridade moral nesta cínica cerimónia para a eleição dos melhores do Cinema. A primeira memória revoltante remete-me para a 55ª edição, quando “E.T.” de Steven Spielberg foi preterido por “Gandhi” de Richard Attenborough, num perplexo equívoco de NOBEL com OSCAR. À medida que fui cimentando a paixão por esta Superior Arte, sorvendo a sua jovem história, fui comprovando autênticos hiatos na lista de vencedores de Oscars. Se nomes cruciais na história da Sétima Arte como Alfred Hitchcock ou Stanley Kubrick (por exemplo) nunca receberam galardões máximos da Academia, como poderão estas estatuetas receber tanta relevância? O presente ano tratou de acentuar a perplexidade de tais lacunas, na atribuição do Oscar Honorário. Robert Altman nunca havia recebido uma estatueta da Academia, apesar da influência que teve em génios como P.T. Anderson ou mesmo na concepção do filme vencedor da noite: “Crash”. A suprema ironia da situação é o facto de Altman ainda se encontrar em actividade, pairando no ar a questão sobre as possibilidades do seu próximo “A Prairie Home Companion” entrar nas cogitações do próximo ano. Não creio que tal suceda ao nível da premiação, pois a Academia raramente consagra os génios no exacto ano em que ofertam as suas relíquias à galeria da Sétima Arte. Outro cineasta que continua a ser sucessivamente olvidado pela Academia é Tim Burton, um dos excelsos autores contemporâneos. A concorrência era fortíssima, mas o requinte de “Corpse Bride” era superior à admirável obra de Nick Park e companhia. Outro factor no mínimo irrisório é a tripla premiação de um filme que cose linhas da cultura nipónica com chinesas de olhos azuis. A atribuição da estatueta de melhor filme a “Crash” (aí está o resultado do colo que recebeu na campanha promocional) depois de Ang Lee ser considerado melhor realizador que Paul Haggis, reveste-se de um absurdo que remonta à 71ª edição, quando de forma ridícula “Shakespeare in Love” superou “Saving Private Ryan”, apesar da realização de Steven Spielberg ter sido considerada superior à de John Madden pela Academia.

Sinceramente estou farto deste desfile dissimulado, besuntado com nauseabundos lobbies comerciais. O paradoxo foi a auto-flagelação que perpetrei ao longo destes anos, assistindo aos espectáculos com a ingénua esperança de mutação nos alicerces sensacionalistas. Como diria o poeta Edgar Allan Poe em “The Raven”: «Nevermore». Este sentimento de saturação foi acentuado aquando do lançamento dos desprezíveis cartazes “For your consideration”, concebidos numa qualquer forja de desespero e descaramento, invocando de forma sensacionalista os mentecaptos que porventura deambulassem pelo júri elegendo filmes com base em campanhas em detrimento do seu real valor como experiência cinematográfica. A concepção do próprio júri é igualmente bizarra. Composto por um elevado número de elementos, acredito piamente que a maioria percebe tanto de Cinema como eu da cultura agrónoma do Sri Lanka. Samuel L. Jackson é um dos conhecidos elementos do júri e confessou há semanas que deixava a sua família e empregados (!!) preencher o boletim de voto por ele, revelando ainda que os seus amigos tinham sempre prioridade nas escolhas finais. Esta leviandade que representa apenas a ponta do iceberg, adjuvada pela evidência da maioria dos elementos visionar os filmes a concurso em formato DVD no conforto dos lares, eleva uma periclitante questão: Como poderá um filme concebido para o Grande Ecrã ser analisado por um leitor de DVD numa sala caseira?
O melhor filme da remota 71ª edição, não foi “Shakespeare in Love” (que luta lado a lado com “Crash” pelo epíteto de pior filme de sempre a receber a máxima consagração da Academia), nem o excelente “Saving Private Ryan”. A exímia obra desse ano foi “The Thin Red Line” de Terrence Malick. Apesar da nomeação para Melhor Realizador e Melhor Argumento Adaptado, Malick recusou comparecer na cerimónia pois nunca pactuou com o cinismo que envolve estes emblemáticos galardões. Reconheço sem qualquer embaraço o talento e integridade de algumas entidades envolvidas nesta Cerimónia, mas coloco-me definitivamente ao lado de Malick. Os Oscares não representam dignamente o Cinema. São apenas um seboso cortejo da Indústria numa asquerosa feira de vaidades, uma repulsiva cerimónia que profana os pergaminhos sagrados nos quais é deificada a história gloriosa da Sétima Arte.

segunda-feira, março 06, 2006

"Good Night, and Good Luck.", de George Clooney

Class.:



Baforadas intelectuais num meio decadente
Nuvens de fumo de tabaco, espectros de moralidade individual e uma aura de medo, pairam na densa atmosfera de “Good Night, and Good Luck”. Após tropeçar nas suas ambições com o inconsistente “Confessions of a Dangerous Mind” (curiosamente sobre outro ícone da televisão americana – Chuck Barris), o segundo filme de George Clooney na cadeira de realizador é uma obra de época, que funciona como um pujante aviso intemporal acerca da conjuntura de princípios nos media.

Mais do que uma homenagem à coragem estóica de um grupo de jornalistas que recusou ser dissuadido da sua incumbência para com o público, “Good Night, and Good Luck” é um autêntico tributo à verdade. Tendo como pano de fundo o conflito entre o medo corporativo e o sólido jornalismo de informação, o filme retrata o conflito da década de 50 entre o pivot da CBS, Edward R. Murrow e o senador americano do Wisconsin, Joseph McCarthy. Forte nas suas convicções, Murrow decidiu alertar a população americana contra um episódio negro de «caça às bruxas» perpetrado por McCarthy numa infame campanha contra quem ousasse questionar as suas decisões, rotulando-os de comunistas.

George Clooney move-se com admirável rapidez e economia num ritmo preciso, dirigindo com pulso firme, sem perder o foco do seu alvo. As decisões tomadas ao longo do projecto serviram sempre de forma magistral as nuances relevantes da exposição. A utilização da montagem de filmagens de arquivo relativas a McCarthy para o caracterizar, ao invés da escolha de um actor, revelou-se uma decisão sensata e astuta. Poucos conseguiriam capturar de forma convincente os sentimentos que o Senador transmitia, quer na mistura volátil de ameaça e gabarolice, quer no nervosismo arquejante face à confrontação de Murrow. A escolha do actor que representa Murrow foi outro golpe de mestre. Após o aliciamento inicial de adoptar o papel de protagonista, Clooney entregou-o a David Strathairn. O desfecho é categórico resultando numa das melhores interpretações do ano, repleta de carisma intelectual. Uma centelha de raiva ardia em Murrow e Strathairn mostra-nos a labareda. Por vezes o filme arrisca tornar Murrow demasiado icónico, mas o magnetismo de Strathairn suplanta essa conjectura, conseguindo praticamente legendar a essência de um indivíduo através do seu olhar intenso, das baforadas de fumo e na elegante dicção, reproduzindo os característicos compassos vocais de Murrow.
Em determinadas alturas, sentimentos de leccionamento poderão assombrar o espectador, numa sobreposição de sermões sobre diálogos. Contudo, “Good Night, and Good Luck” é visualmente aprazível, valorosamente interpretado, narrativamente envolvente e profundamente comprometido com temas de urgência sócio-jornalística, que incitam digestões psicológicas na audiência. De forma arrojada, Clooney engendrou um drama de ideias que funciona como entretenimento enleante, numa batalha pela (re)conquista da alma americana através de um choque de valores sobre debates intelectuais críticos.

Irrepreensivelmente, o filme não sacrifica a elegância e a destreza no zénite das suas convicções inflamadas. Clooney decalca com probidade técnica o período em questão e o seu director de fotografia, Robert Elswit (colaborador assíduo de P.T. Anderson), capta tudo num viçoso preto e branco, permitindo o luxuriante adorno de fumo e sombras bruxuleantes. O filme é entretenimento maduro com requintado sentido histórico e estilístico. Mesmo sem uma única filmagem no exterior, Clooney consegue transmitir o clima furtivo da época. A gravidade da situação é enfatizada na reprodução da claustrofobia do universo insular de um estúdio de televisão e a tensão emocional é apenas aliviada pelas ondas sonoras do jazz de Dianne Reeves. A ênfase colocada no facto de praticamente todos fumarem, para além de evidenciar o clima de tensão, funciona como um subtil paralelismo nos malefícios que McCarthy trouxe à nação.

As implicações e vínculos com o panorama sócio-político actual são incontornáveis. Como o filme faz questão de salientar, a contenda de Murrow não era contra o anti-comunismo. O que o apoquentava era a impostura de McCarthy na sua campanha de intimidação e intrujice, erigindo uma onda nacional de paranóia. De igual forma, o debate hodierno atiçado por alguns, visa desmascarar os logros perpetuados por Bush e companhia, enquanto direitos constitucionais são tratados em nome de um apelidado «Acto Patriota». Clooney sacudiu o pó da história televisiva que os americanos ainda recusam comentar quando estão decorridos 50 anos (!!), para expor a decadência e indulgência das notícias contemporâneas, ainda mais dispostas a prostrar os seus serviços em prol de corporações, publicitários e da própria Casa Branca. Apesar do intervalo de meio século, as insinuações de Bush, acusando quem discorda das suas tácticas políticas de falta de patriotismo, ecoam perceptivelmente as estratégias do McCarthismo. A relevância na polarizada atmosfera política contemporânea é cristalina, numa altura em que o clima de suspeição relativa a políticos asfixia populações e peões cobardes infestam os nossos meios de comunicação social servindo interesses político-partidários numa crescente vaga de informações escapistas, bolorentas e oblíquas. Um facto igualmente lamentável é constatar como o público contemporâneo se marimbaria para alguém com a integridade intelectual de Murrow. Apesar do filme tentar invocar memórias de um tempo no qual o intelecto predominava na consciência social, vivemos numa era pautada por cidadãos que apenas desejam entretenimento, consolidando o estrabismo provocado pela mediocridade sensacionalista.
Murrow acreditava que a televisão poderia iluminar o povo da mesma forma que o entretia, providenciando espectadores com o conhecimento necessário para os tornar cidadãos despertos. “Good Night, and Good Luck” era a frase utilizada por Murrow na conclusão do seu programa televisivo e imprime no filme um timbre melancólico. As batalhas travadas pelo pivot televisivo não foram vencidas de forma perpétua e cada vez se vislumbra menos paixão, integridade e bravura nas recentes gerações jornalísticas. Como tal, necessitaremos de toda a sorte do mundo para sermos nutridos com a verdade, quando hierarquias superiores tentarem adormecer-nos na pantanosa noite da mentira.

sexta-feira, março 03, 2006

"Three... Extremes", de Fruit Chan, Park Chan-wook e Takashi Miike

Class.:



A poesia do horror

Três superiores realizadores asiáticos uniram-se para a criação de uma Antologia de Horror. Fruit Chan (Hong Kong), Park Chan-wook (Coreia do Sul) e Takashi Miike (Japão), mantêm em “Three… Extremes” uma admirável consistência num mecanismo que raramente singra. O segredo do êxito deve-se ao facto dos cineastas empregarem o máximo das suas capacidades, numa obra dividida em três segmentos (40 minutos cada) que representam autênticas pérolas técnicas.


Dumplings” de Fruit Chan abre as hostilidades e representa o único dos três contos que possui uma longa-metragem. Uma actriz que já passou o apogeu da sua carreira, teme o envelhecimento e procura qualquer género de fonte da juventude para suprimir as rugas que a apoquentam. Uma enigmática cozinheira aparenta possuir o tratamento eficaz na forma de dumplings (típica iguaria chinesa). Os ingredientes são misteriosos, mas será que a descoberta dos mesmos lhe fará qualquer diferença na prossecução da dieta?
Dumplings” não é alvo de uma concepção propriamente assustadora, mas investe numa configuração mórbida, com fatias de brilhante sátira social. É uma representação literal da corrupção moral, como preço para o fetichismo da beleza física e ironiza ainda de forma magistral com as suspeitas ocidentais, relativamente ao exotismo da cozinha oriental. Um dos aspectos memoráveis é o sideral trabalho fotográfico de Christopher Doyle (“2046”, “Chungking Express”, “Hero”). Doyle é um dos melhores Directores de Fotografia em actividade e o seu genial trabalho em “Dumplings” filtra imagens com magníficas camadas de distorção. Fruit Chan elabora uma composição invulgar que poderá suscitar sentimentos truncados, mas funciona literalmente como um delicioso aperitivo, para o nutritivo prato principal representado pela longa versão.



Cut” de Park Chan-wook explora com suprema ironia o género do Horror, construindo um retrato sobre os intrínsecos vícios humanos. Um realizador de cinema vê-se aprisionado com a mulher no cenário de um dos seus filmes, por alguém que o acusa de ser demasiado bondoso. O raptor exige que o cineasta mate uma criança na sua presença, para lhe provar que possui uma faceta viciosa. Cada hesitação custará um dedo da sua mulher.
O segundo segmento do tríptico macabro é aquele que explana de forma superior, inventivos engenhos de realização. Apesar do curto espaço de tempo, Park ministra uma viagem grotesca entre uma linha sangrenta que divide a Arte da Realidade, misturando tensão e humor sublimes para gerar um efervescente receptáculo emocional. Através da sua distinta sensibilidade barroca, com uma encenação lustrosa, excepcionais ângulos de filmagem com zooms digitais inacreditáveis (apenas igualado na perícia por David Fincher), sarcástico humor negro e uma manipulação sonora envolvente, Park assegura um elevado nível artífice no seu ensaio sobre a loucura, arrebatando num poderoso acorde visceral.



O segmento de Takashi Miike intitula-se “Box” e aqueles que frequentam a porção brutal da sua filmografia, poderão estranhar o seu visionamento graças à subtileza aplicada por Miike, mantendo o terror oculto. Uma escritora vive atormentada por sonhos recorrentes nos quais é envolta em plástico e enterrada viva dentro de uma caixa. Para entender as assombrações que sofre no presente, invoca memórias do passado e da irmã, quando eram crianças contorcionistas no circo do pai.
O último segmento é o mais abstracto e menos acessível da antologia. “Box” inicia sereno, silencioso e convidativo, mas como “Audition” o provou no passado, tal quietude poderá significar o preliminar de uma deflagração medonha. Numa precipitada avaliação poderá assemelhar-se a um superficial conto de vingança sobrenatural, mas a sua natureza flutuante, bem como a sua conclusão ambígua imprimem-lhe poder para assombrar cogitações pós-visionamento. Assente num prodigioso caos estrutural, a coerência e lógica perdem significado pois deambulamos por uma atmosfera de sonho, ou mais concretamente: pós-despertar de sonho. É uma reflexão etérea sobre o poder da culpa e sobre o peso do pecado (inveja), lavrada num ambiente utópico.

Quando esta compilação de Horror Asiático não se concentra em revolver as nossas entranhas, um elegante nível poético emerge, salientando o esforço e dedicação de todos os intervenientes. Muitos clamam a inexistência de um tema que una as curtas entre si e realmente não existe «um» tema que as una… existem vários! Para além da referenciada perversidade do Cinema de Horror do seu continente de origem, existe o hipnótico efeito pós-pesadelo numa surreal demonstração do mal que o ser humano perpetua relativamente ao próximo, existe a exploração da peleja humana com a sua mortalidade e ainda a dissecação das artérias degeneradas do ideal de beleza feminino. Adornado com as convenções da própria cultura asiática, o produto final decompõe temas universais com elevado brio técnico, empregando o horror extremo para aflorar hiatos sociais, putrefacções do espírito humano e legítimos receios quotidianos.

quinta-feira, março 02, 2006

Momento Zen

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