"Little Miss Sunshine", de Jonathan Dayton e Valerie Faris
Class.:
A funcionalidade de ritos disfuncionais
O género mais revisitado em Cinema é bem capaz de ser o drama familiar e Road Trips com personagens inicialmente desconexas não são propriamente novidade, desde o fabuloso filme de Capra, “It Happened One Night”, que até arrecadou cinco Oscars em 1935. Em “Little Miss Sunshine”, o argumentista Michael Arndt e o casal de realizadores Jonathan Dayton e Valerie Faris, projectam um pequeno raio de sol num género cerrado, concebendo um fascinante microcosmo familiar, de um grupo de almas radicalmente individualizadas: os Hoovers. Olive Hoover (Abigail Breslin) é uma menina de 7 anos de idade, com óculos enormes, dentes apartados (como a sua família), barriguinha protuberante, mas deliciosamente amável. Ela sonha vencer um concurso de beleza infantil e à última hora, torna-se aspirante ao título de Little Miss Sunshine. Contudo, esta oportunidade não poderia vir em pior altura. Seu pai, Richard (Greg Kinnear), tenta desesperadamente vender o seu programa de filosofias baratas, mas os resultados têm sido estéreis. Sua mãe, Sheryl (Toni Collette), tenta encarrilar a família. Todavia, as coisas complicam-se ainda mais quando é incorporado um novo elemento no seio da tribo: o seu tio gay Frank (Steve Carell), que vem de uma tentativa de suicídio após sofrer um desgosto amoroso. O seu irmão Dwayne (Paul Dano) encontra-se há nove meses num voto de silêncio, até ser admitido na Força Aérea e a única pessoa disposta a embarcar na viagem para o concurso é o seu avô mulherengo (Alan Arkin), treinador pessoal de Olive durante o dia e consumidor de heroína durante a noite.
A partir daqui, “Little Miss Sunshine” segue o disfuncional clã, enquanto viajam numa disfuncional carrinha desde Albuquerque até Redondo Beach, para inscreverem Olive no concurso de beleza (numa simbólica alusão à viagem do escritor francês Marcel Proust a Veneza, para se dedicar a questões de estética). Michael Arndt lavra um magnífico e alegórico argumento sobre a demanda pela materialização dos nossos sonhos, que nos faz sorrir em alturas que o choro seria a natural manifestação emocional. As fissuras familiares são calafetadas com graciosidade intelectual, ao invés de uma sanação corriqueira e melodramática.
A partir daqui, “Little Miss Sunshine” segue o disfuncional clã, enquanto viajam numa disfuncional carrinha desde Albuquerque até Redondo Beach, para inscreverem Olive no concurso de beleza (numa simbólica alusão à viagem do escritor francês Marcel Proust a Veneza, para se dedicar a questões de estética). Michael Arndt lavra um magnífico e alegórico argumento sobre a demanda pela materialização dos nossos sonhos, que nos faz sorrir em alturas que o choro seria a natural manifestação emocional. As fissuras familiares são calafetadas com graciosidade intelectual, ao invés de uma sanação corriqueira e melodramática.
Ao longo do seu rumo, “Little Miss Sunshine” acumula densidade e suas personagens irradiam uma complexidade que é alumiada de forma exímia por um elenco perfeito. Kinnear assimila a loquacidade enérgica da sua personagem, emana irrepreensivelmente pânico ao constatar a dissolução dos seus sonhos e contracena maravilhosamente com Collette as frustrações de um casal instável. Breslin convence-me mais com um abraço, que Dakota Fanning com os seus múltiplos gritinhos histéricos. Contracena graciosamente meiga com Dano e imprime inesperadamente profundidade num memorável diálogo com Arkin, que flutua pelo filme com uma espontaneidade que dá a impressão de improviso. Todavia, é Carell, num registo antagónico ao seu trabalho na série “The Office”, quem arrebata num salto interpretativo surpreendente e magistral, expelindo padecimentos múltiplos sob a sua apatia medicada. Inicialmente encoberto numa bruma obscura que contrasta com o branco hospitalar, Carell selecciona métodos imaginativos para marcar o progresso emocional do seu papel. Congrega depressão profunda com um simples olhar estarrecido, mas nos momentos precisos, consegue comutar o olhar para um modo irónico que reflecte o seu apurado instinto cómico.
Os Hoovers vivem aspirados por fantasias de sucesso que os entrapam em mundos isolados. Ou não fosse o nome da família sinónimo de aspirador. E a carrinha Volkswagen? Insígnia de uma era onde os sonhos fluíam, viatura algo desajustada para a presente época e transporte pouco provável de transformação. Contudo, este será o veículo que conduzirá os Hoovers por uma série de vielas psicológicas, entraves emocionais e pelas curvas e contracurvas da esperança e do desespero. Porque uma viagem de descoberta não implica perscrutar novas paisagens. Implica adquirir um renovado olhar. O filme reproduz com intelecto, uma abordagem Fenomenológico-Existencial americana, sobre a participação de rituais familiares no desenvolvimento da auto-estima. Explora ainda um determinado processo de desenraizamento cultural e os efeitos psicológicos desta ruptura, autenticando a génese de novos rumos de vida a nível laboral, afectivo e social. Os criadores e o elenco de “Little Miss Sunshine” transformam desapontamentos lúgubres em árias de comédia irrepreensível, com várias camadas intelectuais incorporadas. Quando o filme chega ao fim, o resultado é um somatório de sorrisos genuínos e nada de sorrisos amarelos.
Os Hoovers vivem aspirados por fantasias de sucesso que os entrapam em mundos isolados. Ou não fosse o nome da família sinónimo de aspirador. E a carrinha Volkswagen? Insígnia de uma era onde os sonhos fluíam, viatura algo desajustada para a presente época e transporte pouco provável de transformação. Contudo, este será o veículo que conduzirá os Hoovers por uma série de vielas psicológicas, entraves emocionais e pelas curvas e contracurvas da esperança e do desespero. Porque uma viagem de descoberta não implica perscrutar novas paisagens. Implica adquirir um renovado olhar. O filme reproduz com intelecto, uma abordagem Fenomenológico-Existencial americana, sobre a participação de rituais familiares no desenvolvimento da auto-estima. Explora ainda um determinado processo de desenraizamento cultural e os efeitos psicológicos desta ruptura, autenticando a génese de novos rumos de vida a nível laboral, afectivo e social. Os criadores e o elenco de “Little Miss Sunshine” transformam desapontamentos lúgubres em árias de comédia irrepreensível, com várias camadas intelectuais incorporadas. Quando o filme chega ao fim, o resultado é um somatório de sorrisos genuínos e nada de sorrisos amarelos.
15 Comments:
óh meu camarada amigo!
vou então ver este fil,e, se por estes lados passar....
como estás! Vahiers du cinéma é objecto histórico...mas a Premiére é mais global!!
um abraço de amizade desde Oz que está a acabar..
obrigado pelo teu cumprimento
RPM
Respeito ambas, mas prefiro a Cahiers.
Abraço caro amigo!
Realmente acho a premiere muito fraquinha. Estou a falar da americana que a portuguesa e bastante mais abrangente e bem melhor nos conteudos.
A americana parece um desfile de estrelas e não de cinema.
Quanto à Cahiers o maior obstáculo é mesmo a língua. Custa-me muito ler em françês e tenho de estar sempre a consultar o dicionário. Mas adoro os artigos principalmente da história do cinema e de imensas coisas que não sei.
Eu sou mais um fã da Empire, como sempre são gostos. Mas pelo menos posso dizer que já as vi todas.
Quanto ao filme "Little Miss SUnshine" gostei enquanto esteve lá a personagem de Alan Arkin, o avô viciado em heroína. Sem ele o filme perde muito e só recupera na cena final quando a sua memória é lembrada naquela dança muito peculiar.
Fui só eu ou aquele concurso de beleza de crianças deixou-me bastante incomodado. Até parece mentira. Como pode existir uma coisa daquelas?
Enfim, americanices
Um bom filme indie, mas acho que está a ser um pouco sobrevalorizado.
Pedro: Sim... americanices.
Mas o filme é muitíssimo bom. Uma agradável fusão de géneros com uma bela camada intelectual. Excelente!
Gonçalo: Olha que não... olha que não...
Já até falam em Óscares e tudo... Se não é sobrevalorizado? Veremos ;)
Não, não considero que seja sobrevalorizado. Vale cada um dos elogios... e ainda mais alguns.
É uma verdadeira lufada de ar fresco... aliás, um aprazível raio de sol.
Eu gostei muito e concordo com o comentário.
Eu confesso que além das duas pessoas que foram ao cinema comigo ver o filme ainda ninguém me falou dele. Portanto não faço ideia se o filme é sobrevalorizado pelo público pelo menos.
Um dos melhores do ano!
Para mim, até à data, o melhor do ano. :-)
Belíssima escolha.
Para mim dos que fui ver o melhor do ano é muito possivelmente o "New World", técnicamente não é deste ano mas só estreou cá em 2006. Claro que como sempre posso tar-me a esquecer de algum e confundir datas, nada que não seja normal.
Helena: Todo o burburinho gerado em torno desta película é mais que justo. É uma obra refrescante, um pequeno raio de sol.
Loot: O filme do Malick também é um dos meus predilectos visionados no presente ano, juntamente com o "Sympathy for Lady Vengeance" que apenas teve ante-estreia no FANTAS.
Ainda não vi o "symapathy for lady vengeance", andoa tentar arranjá-lo há algum tempo e não tenho tido sorte.
Está excelente. Bela conclusão de Park no seu ensaio sobre a vingança.
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