sábado, julho 30, 2005

Cinema e violência

Uma bela fracção de individualidades considera que existe uma relação entre cinema e violência. Muitos defendem que certas películas (“Pulp Fiction”, “Raging Bull”, “Clockwork Orange” e mais recentemente “OldBoy”) incentivam a prática de vários tipos de vandalismo. Nos anos 70, um caso chamou a atenção. Depois de verem o filme de Kubrick intitulado "Clockwork Orange", um grupo de rapazes saiu de carro e tentando imitar os personagens do filme, deram uma violenta pancada na nuca de uma pessoa que passava na rua, matando-a. Na Inglaterra proibiram o filme, e as críticas não se fizeram esperar.

Eu pertenço a esse grupo de pessoas que abomina a censura. A questão da violência é extremamente complexa e sensível, mas apontar o cinema como gerador de violência é tão ridículo para mim como quando rotulavam o rock de música associada ao diabo. A educação começa em casa. Os papás demasiado alienados pelas suas actividades olvidam a responsabilidade educacional que têm para com os filhos. A percepção e distinção entre bem e mal deve ter os primeiros passos nos nossos lares. Os pais têm a incumbência primordial de gerar bons alicerces e escudos nos seus petizes para estes enfrentarem de forma sadia o mundo e seus devaneios. Os psiquiatras dizem que uma em cada quatro pessoas tem desequilíbrios mentais. Torna-se óbvio que certas pessoas ensandecidas, fervilhando violência no seu interior, poderão obter inspiração maligna em qualquer lugar, seja no cinema, em casa, na escola, em concertos e até em jogos de futebol. O que acho gravíssimo é desejarem limitar a liberdade criativa de um autor, imputando-o pelas acções de outrem. Cada cabeça, sua sentença. Todo o ser humano é responsável pelas suas acções.

Com certeza existem múltiplos e diversos filmes portadores de uma violência vulgar e medíocre, no entanto também existem obras-primas com uma carga visual e emocional bastante fortes. Acho bizarro acusar filmes (sejam eles “Old Boy”, “Pulp Fiction” ou “Clockwork Orange”) de invólucros de violência banal sem nunca os terem sequer visionado, ou evidenciarem preguiça na análise da respectiva peça de Arte. Das duas uma: ou não estamos a alcançar o “Quadro Geral” ou então é tudo uma questão de educação e cultura cinematográfica. Um dos filmes mais violentos de sempre, “A Paixão de Cristo”, foi criticado pela sua “violência banal e gratuita”. Foi visionado por um texano (Dan Leach, 21 anos) que após a projecção do filme procurou as autoridades para confessar o assassinato de uma mulher (Ashley Wilson) de 19 anos que estava grávida dele (e esta, hein?). Leach contou que matou Wilson porque ela estava grávida de um filho seu e ele recusava prolongar a relação que tinham. Ashley Wilson foi encontrada morta no apartamento, ao lado de um bilhete falando da sua depressão, mas Leach disse que preparou a cena para dar a impressão de suicídio. Pela ordem de pensamento de certas pessoas, o culpado deste assassinato seria porventura... Tarantino não?! É óbvio que não. É evidente que existem pessoas desequilibradas com sentimentos negativos efervescentes, com deploráveis fundações emocionais.

O código Hays de censura, que limitava a apresentação de sexo e violência nas telas de cinema, foi removido em 1968. A violência já foi pensada por teóricos e cineastas como uma experiência fundamental da Sétima Arte, uma experiência intimamente ligada à própria estrutura do fluxo audiovisual. As imagens violentas produzem um certo sobressalto no espectador. Esse sobressalto de sensações é criado pela associação de imagens mais líricas e poéticas com imagens absolutamente violentas e inesperadas, a poesia extraída dessa associação inesperada. Um choque sensorial, um soco visual capaz de levar a um entendimento. A violência necessária para sairmos da inércia do hábito, dos pensamentos habituais. Entregues à nossa "bela alma" e à rotina, pensamos muito pouco. O filósofo francês Henri Bergson chega a comparar o "homem do hábito" à vaca no pasto, ruminando satisfeito, grau zero de pensamento.

“Clockwork Orange” ou “The Shining”, ambos de Stanley Kubrick, são filmes que demonstram cabalmente como o cinema vai muito além da mera experiência audiovisual. O seu profundo significado e sátira não serão assimilados pelo comum moviegoer. Ou seja, como a maioria da audiência sairá da sala com pensamentos superficiais, matutando na violência e olvidando a perspicaz mensagem, deveríamos limitar o génio artístico, porque alguns não o captam? Qual é o objectivo dessa censura? Evidenciar um ócio analítico e transformar o cinema numa substância para obtusos. Será este o mesmo género de indivíduos papalvos e herméticos, que aplaude o oco filme pipoca de Verão? Vamos matar a concepção de arte, porque a maioria pautada por uma ignóbil ignorância, prefere nutrir o estômago em detrimento do cérebro? Foi também graças a isto que o cinema de ficção científica passou a ser sinónimo de retardado. Pretendem adelgaçar o poder de reflexão da Sétima Arte, até este sumir. Que me desculpem os herméticos que sofrem de ócio e ausência de faculdade analítica, mas permaneçam ruminando no pasto e mantenham-se longe de uma sala de Cinema. Reconheçam a vossa inaptidão, o vosso alcance é limitado... ou nulo.

sexta-feira, julho 29, 2005

Face Your Deepest Fear



A 6 de Julho estreou no Festival de Terror “Dead by Dawn” (Escócia), o filme “The Descent”, escrito e realizado por Neil Marshall.

Numa remota montanha, seis raparigas encontram-se para a aventura anual, uma viagem às artérias da terra. O grupo sonda o sistema de uma caverna, desfrutando o bizarro e gracioso panorama. Distraídas pela paisagem, são vítimas de uma catástrofe: uma súbita derrocada barra-lhes a superfície e as jovens ficam aprisionadas no interior da caverna.
As raparigas vêem-se obrigadas a encontrar uma saída para sobreviver, mas quando alcançam uma inexplorada câmara, o grupo começa a desintegrar-se. O inóspito mundo subterrâneo, reserva-lhes monstruosas criaturas que abominam a luz e dominam a escuridão. Quando as amigas compreendem que se tornaram presas neste terreno hostil, os seus instintos primários são despertados. À medida que velhas cicatrizes reabrem e lealdades se dissipam, as raparigas apreendem a terrível verdade: deverão temer-se mutuamente.

Desconheço a data de estreia no nosso país, mas espero que este filme não seja omitido. Pelo menos eu já estou a cumprir a minha parte, frisando a sua existência.
Sigam o meu humilde conselho: se adoram terror e andam cansados dos patéticos filmes do género que brotaram nos últimos anos, não percam este “The Descent”! O talentoso Neil Marshall escreve e realiza este filme. O seu primeiro filme “Dog Soldiers” ganhou a reputação de culto de terror e uma intrépida legião de fãs.
Só mais um aviso: por favor, repito… por favor não confundam este “The Descent” com o filme que também estreia este ano “The Cave” de Bruce Hunt.

quinta-feira, julho 28, 2005

"Please sir, I want some more."



A 30 de Setembro de 2005 estreia nos Estados Unidos o novo filme de Roman Polanski: “Oliver Twist”.

Polanski e o seu argumentista em “The Pianist”, Ronald Harwood, voltam a unir esforços para (re)adaptar o clássico conto de Charles Dickens. Trata-se da história de um jovem órfão, que se envolve com uma quadrilha de carteiristas na Londres do século 19.
Oliver Twist (Barney Clark) é abandonado numa idade precoce e forçado a viver com o odioso Mr. Bumble. Desesperado, mas cheio de determinação, Oliver decide escapulir-se para as ruas de Londres. Pobre e solitário, o pequeno é compelido para o mundo do crime pelo sinistro Fagin (Sir Ben Kingsley), líder de uma quadrilha de carteiristas. O amável Mr. Brownlow resgata-o e inicia-se uma série de aventuras que o encaminham para a promessa de uma vida melhor.
O realizador Roman Polanski, depois do menos conseguido “The Ninth Gate” em 1999, voltou em 2002 à sua melhor forma, vencendo inclusive o Oscar de «Melhor Realizador» com “The Pianist”. “Oliver Twist” é uma obra que aguardo ansioso, pois Polanski é um autor que admiro, tendo criado o claustrofóbico e mórbido “Repulsion” (1965), o paranóico “Rosemary’s Baby” (1968) e a sua Obra-Prima, o maravilhoso “Chinatown” (1974). Como venero estas obras e o soco emocional de “The Pianist”, imitarei Oliver Twist e colocarei as mãos em forma de pedinte, suplicando a Polanski: “Por favor senhor, queria mais”.

quarta-feira, julho 27, 2005

“Signs”, de M. Night Shyamalan

Class.:



“Are you the kind that sees signs?” (Graham Hess)

Quando a prateleira da Cinemateca que albergava a secção “Invasões Alienígenas”, aparentava lotação esgotada em matéria original, eis que surge um indiano reivindicando um lugar. A maioria dos filmes sobre invasões retrata a ameaça numa escala global. “Signs” não excede a comunidade rural de Graham Hess, pois a invasão é filtrada pelo olhar da sua família.

Mel Gibson representa o padre Graham Hess, um viúvo que cuida dos seus dois filhos, Morgan (Rory Culkin) e Bo (Abigain Breslin), numa quinta da Pennsylvania. Após a morte da sua esposa, o seu irmão Merrill (Joaquin Phoenix), junta-se à malograda família para apoiar o seu mano mais velho. A tragédia sofrida por Graham fê-lo perder a fé em Deus, renunciar à sua vocação e dedicar-se aos trabalhos na sua quinta. Certa manhã, depara-se com uma incrível descoberta: círculos nas suas searas. Será uma artimanha? Se sim, então certamente trata-se de um embuste muito bem elaborado.

Seguem-se ruídos nocturnos estranhos, o cão fica violento e ladra incessantemente, Bo não consegue dormir e diz que a água tem um sabor esquisito. Copos semi-cheios de água “contaminada” (como refere Bo) estão espalhados pela casa. Compassadamente e de forma enigmática, Shyamalan inicia o recital.

A abordagem de Shyamalan é original e demarca-se radicalmente de fimes semelhantes, mas o filme engloba referências e homenagens a prévias obras da Sétima Arte. O crédito inicial evoca a composição musical de Herrmann para o filme “Psycho” de Alfred Hitchcock, a clausura recorda “Panic Room” de David Fincher e até “War of the Worlds” é honrado através de referências ao filme de 1953 e ao programa radiofónico de Orson Welles.



A comparação de Shyamalan a Hitchcock não é descabida. O seu prodigioso engenho estilístico e a propensão para ambientes de poderosa tensão e suspense são elevados pelas primorosas composições de James Newton Howard. Se Shyamalan é o Hitchcock da nova geração, então Howard será o novo Bernard Herrmann. Shyamalan trata a sua incursão pelo fantástico com boas doses de realismo, tal como o havia feito em “The Sixth Sense”, “Unbreakable” e mais recentemente em “The Village”. Como reagirá uma família vulgar, consumida pelos seus problemas particulares, perante um cataclismo universal?

“Signs” é o trabalho de um cineasta que oculta os seus segredos no coração da história e revela-os na devida altura. O filme atesta subtileza, graciosidade, esplendor e astúcia. A manipulação do som, a ausência de som, a claustrofobia, o desenvolvimento de personagens e o humor seco, tudo obtido de forma superior.

A forma como ele oculta o seu ponto menos positivo é notável: através de um vulto reflectido pelo ecrã televisivo, ou pelo luar, evidenciando-o apenas em ocasionais relances. Existe uma cena envolvendo um vídeo caseiro transmitido pelo noticiário, na qual o espectador dará por si perscrutando o ecrã, tentando matar a curiosidade. É um autêntico momento de antologia cinematográfica. Outras cenas ilustres serão exibidas e uma delas usará um intercomunicador para bebés.



Será “Signs” uma Obra-Prima? Pessoalmente, considero-o claro como a água! A composição musical é magnífica, as interpretações elevadas (com brilhantes desempenhos do poderoso Gibson e do divertido Phoenix e com Shyamalan comprovando novamente o seu toque de Midas com as crianças), o storytelling é excelso e a ressonância moral é inolvidável.
A crítica especializada recusa render-se a Shyamalan aquando do lançamento dos seus filmes, mas a vingança do feiticeiro encontra-se alojada na respectiva película. Quando os seus filmes são revistos a consideração pela obra eleva incomensuravelmente. Todos os inteligentes sinais do fenomenal cineasta são assimilados e compreendidos. Prova disso foi o ídolo do realizador indiano (Spielberg) ter-se inspirado no seu fã para criar um filme e verificarmos a crítica cedendo (periclitante, mas incontestável e forçosamente) à genialidade de M. Night Shyamalan.

Shyamalan concebe sólidos thrillers, anexando boas porções de espiritualidade. “Signs” abriu novas perspectivas no género Sci-Fi e cativou a atenção do espectador, despertando ecos do filme na nossa mente, à medida que a história expande e é redefinida na nossa cabeça. É um exercício de fé do autor, que debate a existência de alguma plataforma metafísica em oposição à certeza da morte. Os sinais são meticulosamente derramados pela obra e cada um deverá decifrá-los: o pó na parede do quarto de Graham destaca o local onde era pendurado um crucifixo; a água representa o Baptismo Cristão – o símbolo da alma regenerada; a lanterna rolando pelo solo da cave e derramando luz, enquanto o resto se encontra imerso em escuridão e encoberto à audiência, representa a fé, a esperança. Shyamalan revela igualmente que o verdadeiro terror está alojado na psique humana, e será despertado em catadupa se o inimigo permanecer oculto, atormentando o espectador através do imaginário. Sejamos crentes ou cépticos, Shyamalan manifesta uma tenuidade avassaladora na construção das suas visões. Acreditem, com o passar dos anos, a avaliação dos seus filmes será menos “preguiçosa” e este esplêndido cineasta receberá as devidas alvíssaras, vendo a sua obra venerada. Os sinais são evidentes.

terça-feira, julho 26, 2005

“The Grudge”, de Takashi Shimizu

Class.:



“The Grudge” insere-se no género de cinema apelidado (bem ou mal) de J-Horror. Amado e idolatrado por muitos, detestado e incompreendido por tantos outros, este género atingiu o seu apogeu ocidental com “The Ring” de Gore Verbinsky, o remake de “Ringu” de Hideo Nakata.

O filme tem um início genial, com Bill Pullman saindo desorientado da cama e atirando-se da varanda do seu apartamento, suicidando-se. Ao visionarmos uma estrela como Bill Pullman sair dum filme após 50 segundos de actuação é algo surpreendente, no entanto ele vai aparecendo ao longo do filme através de flashbacks. Existem demasiados clichés deste tipo de filmes, como gatos saltando do nada, sons esquisitos, as personagens recorrem a sítios onde não deveriam recorrer e fazem coisas perfeitamente estúpidas sob nenhuma razão. Apesar do filme ser demasiado evidente, pois sabemos sempre quem é a próxima vítima, o filme é genuinamente assustador. Os fantasmas fazem as personagens questionar a sua sanidade com chamadas telefónicas místicas, aparecendo em câmaras de vigilância, e por aí adiante. A atmosfera de sonho enevoado é eficaz. Esta película é um remake de “Ju-On”, filme gerado pelo mesmo realizador deste filme. Esta fita não inova em relação ao seu original, aliás o filme é no geral uma colagem do seu predecessor. Será que isto significa um desastre? Não necessariamente. Mas a verdade é que um bom filme de terror é de difícil concepção e este ostenta demasiados clichés do género. Contudo teremos de compreender esta realidade demográfica: no Japão ou se trabalha, ou se enlouquece, ou se suicidam (hiperbolicamente falando). Os filmes de terror têm um tremendo desequilíbrio argumental, mas a crua concepção de ambientes arrepiantes é genial. Shimizu oferece-nos um filme que não inova no género e muito menos se trata de um marco, mas apercebemo-nos claramente que se trata de um cineasta raro.

segunda-feira, julho 25, 2005

Questionário Cinéfilo

Recebi um questionário/desafio pelo gonn1000, criado pelo migueL.
Não morro de amores por questionários, mas como fui solicitado pelo meu caro colega, irei responder. Cá vai disto:

1. O que é para ti o Cinema?
Como já referi certo dia, o Cinema como forma de Arte tem a excepcional capacidade para nos entreter, divertir, distrair e incitar. Ingressamos numa sala escura, e somos inebriados por todas aquelas imagens e sons, universos quiméricos, mágicos. Aí a verdadeira imagem artística surge dentro de cada um, ela dialoga todo o tempo com o nosso inconsciente. Tem a virtuosidade para atingir a alma do espectador, expondo suas paixões, frustrações, desejos, inquietações. Murmura os seus mais íntimos segredos numa linguagem que só ele compreende.

1.1 Como o encaras: Arte ou Entretenimento?
Ambas as perspectivas são válidas para mim. Mas como a Arte é uma forma de expressar emoções supra pessoalmente, quedo-me um pouco mais para o lado da Arte.

2. O que tem de ter um cineasta para que possas admirar a sua obra?
Capacidade para sensibilizar, instigar ou abalroar a minha alma.

3. O que tem de ter um actor/actriz para apreciares a sua interpretação?
Terá de ser alguém que não reconheça pelo nome, filme após filme. Terá de ter desenvoltura e paixão pela profissão. Alguém que se entregue de corpo e alma a uma personagem, renuncie o que já retratou e se apodere distintamente da nova figura.
Há poucos assim: Johnny Depp, Russell Crowe e Daniel Day-Lewis.

4. O que preferes: créditos iniciais ou créditos finais? Porquê?
Os iniciais, pela oportunidade facultada para a criação de um prefácio cativante e um adorno enriquecedor da obra.

5. Achas que as barreiras que separam o cinema das outras artes podem, em circunstância alguma, ser quebradas?
Claro que sim. No entanto o Cinema tem a sua própria identidade e deverá existir uma inovação, um processo inventivo e o resultado deverá ser transcendental (para ser aplaudido por mim). Os elementos cinematográficos deverão ser claramente superiores e perfeitamente distintos.

6. Passo o desafio a...

Gustavo H.R.;
Ana Marques;
Pedro Quintino;
Vera Alves;
NeTo;
Brain-Mixer;
Paulo Costa;

E todos quantos desejarem participar. Propaguem o questionário pela blogosfera… pelo grande migueL.

sábado, julho 23, 2005

“Blade Runner”, de Ridley Scott

Class.:

“Show me what you're made of.” (Roy Batty)
Los Angeles, 2019. A decadente e pluviosa metropolis exibe slogans comerciais através de vídeos refulgentes, as estradas encontram-se atulhadas de trânsito e o ar é uma mixórdia de poluentes. O mundo é negro, frio, hostil e nocivo. É um período de decadência, medo, lixo, chuva ácida, néon e promessas de ar puro, águas azuis cristalinas e relva verde. Será uma visão do presente projectado no futuro? Sim. É o negro destino da sociedade de consumo, capitalista e poluente, a distopia do amanhã.

Rick Deckard (Harrison Ford) é um Blade Runner retirado. Ou seja, um polícia especializado na perseguição de Réplicas (humanos artificiais, andróides semelhantes em praticamente todos os aspectos humanos, excepto dois pormenores: ausência de memória e vida extremamente curta). Quatro Réplicas assassinas fugiram de uma colónia espacial e encontram-se à solta na cidade. A missão de Deckard é exterminá-las.

“Blade Runner” é uma cadenciada fusão de ficção científica com film-noir dos anos 40. É baseado na obra de Philip Kindred Dick intitulada “Do Androids Dream of Electric Sheep?”. Este autor é responsável por um vasto leque de romances que originaram alguns filmes, tais como “Minority Report” de Steven Spielberg ou “Total Recall” de Paul Verhoeven. Ridley Scott e a sua equipa de argumentistas (Hampton Fancher e David Peoples) pegaram no alicerce do romance e edificaram um poderoso filme que transcende o próprio romance de Philip K. Dick, aprofundando-o. Demarca-se inclusive da sua fonte de inspiração e engloba referências bíblicas e mitológicas enobrecendo a sua concepção.



Ridley Scott foi auxiliado pelo designer de produção Lawrence G. Paull (“Back to the Future”) na materialização da sua prodigiosa visão. O lendário artista comic, Jean “Moebius” Giraud, responsável pela arte conceptual de “Alien”, oferece também um valoroso apoio como designer.
Os efeitos especiais são deslumbrantes, e a direcção artística é das mais originais na história da Sétima Arte, enleando arquitectura Ultra-Moderna, Maya e Egípcia numa formosa tapeçaria. A cinematografia a cargo de Jordan Cronenweth é tão excepcional que os visuais adquirem as funções de uma personagem. Cada plano é engenhoso, inventivo e deslumbrante. Cada cena é meticulosamente perpetuada em filme e daria um fenomenal poster. O uso das sombras e os ângulos da câmara são alvos de minuciosas preparações.

“Blade Runner” é essencialmente negro, acentuado nas sombrias artérias frequentadas por vagabundos. As perspectivas da cidade através do piramidal edifício Tyrell realçam o smog que a obscurece. As cenas envolvem igualmente massivas camadas de néon, chuva e exóticos raios de luz que se tornaram imagem de marca desta obra. O cenário é barroco, com uma inquietante aglomeração de detalhe. O som é atmosférico e a composição do grego Vangelis é essencial, memorável, mágica.

As personagens são inquietantes e exemplarmente concebidas. O reduzido elenco foi meticulosamente seleccionado. Harrison Ford (Rick Deckard) oferece uma das suas melhores interpretações, seguro e credível. Sean Young representa a esbelta Rachel com inocência e vulnerabilidade, projectando uma imagem do que consideramos Humano. Daryl Hannah é a sedutora e mortífera Pris, o eficaz Edward J. Olmos dá vida a Gaff e Rutger Hauer (Roy Batty) é o fenomenal líder das Réplicas, num papel antagónico de vilão. O seu carisma é expressado liricamente através de memoráveis linhas, num convincente retrato apaixonado e desesperado. A relação entre os actores não foi muito saudável, mas a tensão entre os elementos do elenco apenas tornou o produto final mais intenso e emocional.



“Blade Runner” transcende o género, através de meditações filosóficas, políticas e morais, questionando sociedades contemporâneas. Incita reflexões existenciais sobre a vida e a morte, sobre o significado de humanidade, a natureza e relevância da memória na nossa existência, sobre o desejo de imortalidade. É uma gloriosa análise do nosso planeta, uma brilhante dissertação sobre o desenvolvimento e evolução da humanidade. “Blade Runner” é um daqueles raros filmes que se atrevem a prever o futuro e cujas conjecturas se revelam mais acertadas à medida que os anos passam.

O filme toma lugar durante uma guerra silenciosa entre humanos e andróides e no decorrer do filme, ambos colocam idênticas questões filosóficas: Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? O observador é estimulado a ponderar a essência da Humanidade. Que é que nos faz Humanos? Memórias? Pensamentos? Ideias? Sentimentos? Que será realmente um sentimento?

As influências do filme foram “Metropolis” de Fritz Lang (1927) e “2001: A Space Odyssey” de Stanley Kubrick (1968), dois marcos na história da ficção científica em particular, e da Sétima Arte em geral. Criado em 1982 à sombra de “Star Wars” e “E.T.”, a visão de “Blade Runner” não foi (nem será) assimilada pelo comum moviegoer, pois desde “2001: A Space Odyssey” não surgia um filme tão complexo, provocante, sofisticado e intelectualmente estimulante. O género Sci-Fi foi inovado e transcendido por este filme de culto, cuja influência gerou inúmeros ecos, repercutidos não só em filmes, obras literárias, comics e até vídeo-jogos, como também foi objecto de reflexão em críticas, ensaios, livros e estudos. A crítica ignorou o filme na altura do seu lançamento, para mais tarde ser obrigada a glorificá-lo pelas repercussões que produziu. A bofetada de luva branca foi primorosa.

Ver este filme representa para mim uma jornada religiosa. Nos dias que correm, um bom filme de ficção científica é um raro artefacto. O âmago e o coração do género, as ínfimas faculdades da imaginação e do pensamento foram substituídos por sequências de acção primitivas e panóplias de efeitos especiais criados para camuflarem míseros argumentos. O resultado é o género ter-se tornado (para muitos) sinónimo de retardado e previsível filme pipoca. É por isto que devemos projectar o nosso olhar bem atrás no tempo, para descobrir e contemplar boa ficção científica. Todos os géneros têm as suas Obras-Primas, e “Blade Runner” coroa o género Sci-Fi.

De referir ainda que o filme teve direito a um “Director’s Cut”. Nesta versão, Ridley Scott reivindicou a sua genuína visão, sem a adulteração dos estúdios. O resultado é um filme que graças à subtileza de Scott, supera o original. Aliás, “Director’s Cut” é o verdadeiro filme original. Representa o imaculado desígnio do realizador, pois dá ênfase ao simbólico Unicórnio e elimina a narração e o final “feliz” (menos ambíguo) imposto pelos estúdios. O final do filme é assombroso, violento e envolvente. Deixa uma impressão indelével. “Blade Runner” é único e fenomenal a todos os níveis. É um conto profético e emocional que se estabeleceu como um dos mais originais e inteligentes filmes de ficção científica jamais edificados. “Blade Runner” faz-nos sentir, pensar e questionar a realidade. A fantástica visão barroca de Scott, a chocante iconografia, o futurista mundo alquebrado, a majestosa fotografia, a mágica composição musical e o acutilante argumento deificam a história. “Blade Runner” é o exemplar filme transcendental.

sexta-feira, julho 22, 2005

“Shi Mian Mai Fu”, de Zhang Yimou

Class.:



“Shi Mian Mai Fu” (aka “House of Flying Daggers” ou “O Segredo dos Punhais Voadores”) é de uma forma basilar acerca de um triângulo amoroso brotado através de uma batalha política. Um movimento refractário denominado por “Casa dos Punhais Voadores” surge ao estilo de Robin Hood roubando aos ricos para dar aos pobres, originando uma pronta reacção da polícia que decide infiltrar-se nesta organização através de Mei (Zhang Ziyi), uma dançarina cega. Ela é capturada pelo disciplinado capitão Leo (Andy Lau), e pelo galanteador Jin (Takeshi Kaneshiro). O resto deverá ser visionado por todos os amantes de bom cinema.

Este filme é uma extasiante obra de beleza cinematográfica pincelada com aprazíveis cores, onde espadas, paus afiados e (obviamente) punhais têm como pano de fundo o verde das florestas de bambu, o castanho resultante das folhas que caem numa floresta outonal e até o branco da neve salpicado por gotículas vermelhas de sangue. Brilhantes cenas seguem-se umas após outras, onde imaculáveis coreografias de combate preenchem genialmente a tela. “O Segredo dos Punhais Voadores” provem da melhor casta de filme de aventuras, onde as sequências de acção são extensas, sumptuosas, fulgentes e nunca deixando de fazer parte inexorável da história. Num filme de acção standard Hollywoodesco, as sequências de acção cessam abruptamente o enredo e presenteiam-nos com um incongruente, insignificante e banal festim. Nesta película o enredo cria uma perfeita simbiose com sequências de acção visualmente vibrantes e momentos de uma comoção dramática apaixonante (deleitem os vossos olhinhos no interior do Pavilhão Peony, no Jogo do Eco e na memorável perseguição na floresta de bambus onde Zhang Yimou nutre a nossa vista até ao mais ínfimo pormenor).



Yimou é um talentoso criador de histórias visualmente delirantes, cravando notoriamente o seu nome no estrito rol de realizadores (juntamente com Ang Lee e Takashi Miike) que dominam o género Wuxia. É um poeta cinematográfico. Este chinês confirma definitivamente neste filme o seu domínio sobre as artes visuais (depois de "Raise the Red Lantern" e “Hero”). A fabulosa actriz Zhang Ziyi revela novamente neste filme o seu nobre dom, trabalhando com o realizador que a apresentou em 1999 no filme “The Road Home”. Interpreta Mei com uma graciosidade invulgar, emanando um charme que contagia, dominando a assistência com uma envolvente actuação física e uma profunda interpretação de emoções.
Apesar de todas as maravilhas que este filme traja, não posso deixar de referir a razão pela qual o filme não atinge o pináculo do meu regalo. Em certas alturas sinto o filme dispersando em vez de unificar, talvez por culpa de algumas infelizes interpretações secundárias e de um menor aprofundamento dos laços amorosos. No entanto este filme é absolutamente essencial, pois consegue resgatar o público combinando ritmo fremente com romance, numa arrebatadora beleza visual. Graças a alguns deuses cinematográficos vemos o cinema ser redimido por brilhantes películas oriundas do Oriente, envergonhando o cinema de acção ocidental que intoxica o público com múltiplas obras deploráveis.

quinta-feira, julho 21, 2005

“24 Hour Party People” na TV



Numa semana para esquecer a nível de estreias cinematográficas, quem desejar bons filmes terá de recorrer à TV ou DVD.

Hoje pelas 24h a Sic Radical irá exibir “24 Hour Party People” de Michael Winterbottom.
Quando Tony Wilson (Steve Coogan), um repórter televisivo ambicioso mas sem sucesso, assiste a um concerto memorável de uma banda desconhecida, os Sex Pistols, convence a sua estação a transmitir uma actuação do grupo. Depressa outras bandas de Manchester começam a pedir-lhe os seus serviços. Wilson cria a lendária Factory Records e o Hacienda Club e novas bandas surgem para transformar a indústria musical para sempre.

"24 Hour Party People" é um filme inteligente e algo inventivo. As personagens são bem reais, e o filme não descamba no banal dramatismo, funcionando harmoniosamente num patamar sensível e como apaixonante retrato de indivíduos forjando uma nova cultura musical.
De Winterbottom também deverá ser (re)visitado "In This World" e "Jude".

quarta-feira, julho 20, 2005

Depp despe-se de preconceitos para Burton



Segundo a Movietab, Johnny Deep irá protagonizar uma stripper no novo filme de Tim Burton. Ele irá interpretar Gypsy Rose Lee e não evidenciou inquietação alguma por representar uma mulher.

Depp disse: “No outro dia disse ao Tim que filmaria qualquer coisa com ele. Ele respondeu-me que o seu próximo filme seria sobre a história de Gypsy Rose Lee”. Depp pediu o papel principal e Burton concordou imediatamente com a proposta.

Gypsy Rose Lee nasceu a 9 de Fevereiro de 1911 e morreu a 26 de Abril de 1970. Tornou-se a stripper mais conhecida e amada pelo mundo inteiro. Dizem as crónicas que tornou o strip numa arte.
O seu talento não se quedou pela forma como se despia. Escreveu romances e uma peça teatral, foi actriz e estrela televisiva. A sua autobiografia “Gypsy” foi transformada num musical da Broadway e posteriormente num filme.

A história de Gypsy Rose Lee irá reunir Tim Burton e Johnny Depp pela sexta vez, após "Edward Scissorhands", “Ed Wood”, "Sleepy Hollow", "Charlie and the Chocolate Factory" e "The Corpse Bride". Aguardemos ansiosos pela nova incursão pelo burlesco.

terça-feira, julho 19, 2005

“Un Long Dimanche de Fiançailles”, de Jean-Pierre Jeunet

Class.:



Durante a Primeira Guerra Mundial muitos soldados suicidavam-se devido ao devastador efeito emocional e físico provocado pela guerra (frio, fome, doenças… todo o horror inerente), enquanto outros se feriam com o intuito de obtenção de um “passaporte” para os hospitais, abandonando desta forma o campo de batalha. Se fosse descoberta tal artimanha por parte dos oficiais, tais soldados seriam condenados à morte. Jeunet abre este admirável filme (baseado no romance de Sebastian Japrisot) de forma sublime, pegando na graciosidade da sua prévia película (“Le Fabuleux Destin d’ Amélie Poulin”) e aplicando-lhe uma mutação reveladora da sua faceta mais obscura. Cinco soldados resolvem optar pela auto-mutilação para conseguirem livrar-se das agruras da guerra, no entanto os seus relatos sobre a origem de tais ferimentos não se revelam credíveis aos ouvidos dos oficiais e consequentemente são desamparados de forma impiedosa numa “no man’s land” à mercê de um tiroteio qualquer que lhes clamará a vida. Com contornos de “Paths Of Glory” de Stanley Kubrick o filme abre majestosamente com esses cinco soldados franceses numa marcha lenta em direcção ao destino que aguardava os soldados acusados de auto-mutilação: a morte.

Mathilde (Audrey Tautou) ainda em criança conheceu um desses malogrados soldados, Manech (Gaspard Ulliel). A caturrice mútua inicial passou a amizade, e depois floresceu o romance. Mathilde fica privada precocemente do seu amado e recusa acreditar na morte de Manech pois não sente o seu falecimento na sua alma. Depois da guerra Mathilde recebe uma missiva que alude à possibilidade de nem todos os cinco terem morrido em combate. Inicia então a difícil busca pelo paradeiro de Manech. Contrata um detective privado e investiga também por conta própria contactando com testemunhas e sobreviventes para juntar as peças fragmentadas do puzzle da verdade.

A forma como Jeunet nos apresenta a guerra e seus efeitos, é francamente sagaz. As imagens de combate levam o seu toque pessoal e até a forma de cinematografar o arremesso de granadas encontra um fascinante método com este fabuloso realizador. O filme leva o espectador a questionar-se sobre quais as razões que levam um homem a pegar numa arma sem a intenção de matar mas para se magoar tão seriamente, correndo o risco de ser abandonado à perdição mais que certa num campo de batalha desconhecido.



Em 1991 juntamente com Marc Caro, Jean-Pierre Jeunet presenteava o universo cinematográfico com “Delicatessen”, e posteriormente em 1995 brindava-nos com o prodigioso “La Cité Des Enfants Perdus”. Tratam-se de duas brilhantes comédias negras, engendradas com um impecável primor. Depois de uma experiência menos conseguida com “Alien: Resurrection”, Jeunet regalava com “Le Fabuleux Destin d’Amélie Poulain”, um brilhante filme que conquistou o coração de inúmeras plateias com a sua cativante doçura. Visionar um filme de Jeunet é uma experiência única e praticamente inigualável no cinema actual. Idílicas, expressionistas e sonhadoras, suas imagens são como pinturas repletas de extasiantes cores e paisagens hiper-realistas. O cinematógrafo Bruno Delbonnel dá vida à câmara com imagens onde sentimos uma certa anti-gravidade, capturando imagens onde somos arrebatados bem alto e nos sentimos a flutuar num firmamento encantador. Concluindo, posso declarar que este é um dos melhores filmes do ano cinematográfico em Portugal. O filme é tão arrebatador que todas estas palavras não lhe fazem qualquer jus. O filme emana uma vitalidade e charme colossais. Isto é realização de mestre, atestada por uma inesgotável e talentosa genialidade onde cada plano é uma obra-prima. Jeunet é um realizador visionário, alguém que nos conta de uma forma ímpar e apaixonada uma épica história de amor, cheia de surpresas que não representam apenas meros twists, mas imagens e momentos jamais visionados e inesquecíveis. O filme é uma experiência visual deslumbrante, onde uma série de deleitosos momentos se sucedem um após o outro para nos inebriarem deliciosamente.

sábado, julho 16, 2005

“Ondskan”, de Mikael Håfström

Class.:

“Ondskan” (aka “Evil” ou "Cruel") é baseado no bestseller autobiográfico do escritor/jornalista Jan Guillou. Erik (Andreas Wilson) é um adolescente que usa os punhos na escola e em casa é espancado pelo seu padrasto. Quando é expulso da escola, sua mãe envia-o para um colégio interno. Nesta sádica instituição de correcção, Erik é agredido pelos estudantes mais velhos. Conseguirá Erik conservar a dignidade sem ser absorvido num vórtice de violência?

O filme sueco nomeado em 2004 para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (perdendo a estatueta para "Les Invasions Barbares" de Denys Arcand) apresenta o estudo de um carismático adolescente vítima de violência física e mental, que controla os seus impulsos violentos com resistência e submissão à dor. Andreas Wilson (modelo convertido em actor) executa um eficaz e penetrante retrato. Ele sustenta um fogo invisível e infernal.

“Ondskan” é uma espécie de “Dead Poets Society” sem o apaixonado e inspirador professor, “Fight Club” vai à escola e “Good Will Hunting” com doses extra de sangue. A instituição correccional evoca o clássico “House of Whipcord” de Pete Walker.

“Ondskan” é um filme brutal, mas também contém lacunas. Existe algum exagero na dramatização de certas cenas, certos dilemas são resolvidos com excessiva simplicidade. Håfström transfere a audiência para uma zona de negrume, mas também fornece a lanterna para os espectadores se desembaraçarem. O final é previsível, mas o filme é bem executado e é um inteligente olhar sobre a natureza da violência e suas repercussões.

Existem melhores filmes do género, mas este drama confidente alberga uma exuberância fresca e singela. É realista, perturbador e revelador.
É uma batalha metafórica contra a opressão fascista na Suécia de 1950. O profundo estudo de personalidade faz desta película uma obra poderosíssima, sustentada pela forma como Håfström retrata notavelmente a sociedade sueca de 50. A época (evocada inclusivamente através dos álbuns jazz de Charlie Parker) representa o pós-nazismo e a película revela as profundas tensões de uma sociedade cujas reminiscências nazis não foram completamente dissolvidas. Neste período histórico as expressões de individualismo eram suprimidas. O realizador e o actor principal prometem imenso e este filme estreia em Portugal ano e meio após o seu lançamento. Numa altura do ano pautada pelas super-produções de filmes-pipoca sem substância, este prestigiante filme representa uma lufada de ar fresco. O que seria realmente cruel era continuarem a manter as plateias nacionais desactualizadas em relação a obras deste calibre.

sexta-feira, julho 15, 2005

"Constantine", de Francis Lawrence

Class.:



Como arremessar um potencial Film-Noir para a sarjeta escura do Inferno.

Baseado na banda desenhada “Hellblazer” da DC Comics/Vertigo, “Constantine” é a história de um exorcista/detective sobrenatural John Constantine (Keanu Reeves), que literalmente atravessou o Inferno. Quando Constantine forma parelha com Angela Dodson (Rachel Weiz) para resolver o misterioso suicídio da sua irmã, a sua investigação intercala-os num mundo de anjos e demónios.

Está em voga a adaptação de “comics” para a grande tela. E exceptuando os dois “Batman” de Tim Burton e os dois “Spiderman” de Sam Raimi (quanto a mim estes dois realizadores elevaram as respectivas adaptações a um nobre patamar cinematográfico), as adaptações de BD’s americanas têm difamado e enxovalhado os heróis dos quadradinhos. “Constantine” é baseado numa BD na qual John Constantine é um loiro inglês (inspirado em Sting) que fuma imenso. Na transposição para cinema Constantine tem cabelo preto, é americano, usa um fatinho à “Reservoir Dogs” e até masca pastilha de nicotina (sacrilégio!! Clamam alguns). Apenas um em mil poderá protestar acerca destas alterações que visam claramente o lucro e pessoalmente fico agradecido por não ter escutado Reeves com pronúncia inglesa (como em “Dracula” de Coppola), mas o que dirão os fãs da BD?

Francis Lawrence é um famoso realizador de videoclips MTV, tendo já trabalhado com Timberlake, Spears, Janet Jackson. A visão do inferno em CGI é um momento engraçado no qual o realizador projecta o seu background estético. O realizador teve enorme mérito em reconhecer os limites de Keanu Reeves e colocá-lo no maior número de confrontos físicos com demónios e oferecendo-lhe o menor rol de diálogos possíveis. Mas pessoalmente, o melhor momento do filme tem a ver com a cena que envolve a entrada de Constantine no clube de “Half-Breeds” de Papa Midnite (Djimon Hounsou) ao som de “Passive” dos A Perfect Circle (preciso apelar às minhas predilecções musicais para encontrar aspectos relevantes no filme). “Constantine” contém na sua essência alguns excelentes elementos “dark”, no entanto o filme é uma obnóxia narrativa, repleta de incongruências, uma mistura abrupta de ideias vagas e despropositadas.

Todos os bons e memoráveis filmes de fantasia oferecem um portal para o fantástico à audiência. Em “The Wizard Of Oz”, “Star Wars”, “The Matrix” e “Lord Of The Rings” (por exemplo) somos parte integrante numa mítica jornada pelo desconhecido, acompanhando inocentes personagens desbravando mundos novos. “Constantine” é o exemplo de filme que apesar de poder ser considerado entretenimento, é no meu entender entretenimento medíocre. John Constantine ingressa e regressa do Inferno e o problema é que a audiência fica cá fora, entregue a si própria sem saborear as potencialidades cinematográficas.

quinta-feira, julho 14, 2005

Estreias da semana

O destaque do Pasmos Filtrados nas estreias desta semana vai para “Ondskan” de Mikael Håfström (aka “Evil” ou "Cruel"). Baseado no bestseller autobiográfico do escritor/jornalista Jan Guillou, o filme sueco nomeado em 2004 para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro apresenta o estudo de um carismático adolescente vítima de violência física e mental, que controla os seus impulsos violentos com resistência e submissão à dor. O profundo estudo de personalidade faz desta película uma obra poderosíssima.

Cá ficam as estreias:

ONDSKAN / EVIL
Cruel

Com: Andreas Wilson e Henrik Lundström
2003 – 113 minutos – Drama
Realização: Mikael Håfström

Sinopse: A vida de Erik, um jovem de 16 anos, está manchada de violência e conflitos.
Quando é expulso da escola, é enviado para um colégio interno como uma última oportunidade para se libertar do seu círculo vicioso e continuar os estudos.
Mas o colégio é tudo menos um refúgio – aqui, o mal está sistematizado sob a forma da opressão imposta aos estudantes mais novos pelo mais velhos.
Conseguirá Erik manter a dignidade sem ser arrastado na espiral de violência que está a ameaçar o seu futuro?


9 SONGS
9 Canções

Com: Kieran O'Brien, Margo Stilley
2004 – 69 minutos – Drama
Realização: Michael Winterbottom

Sinopse: Um Verão, duas pessoas, oito bandas, 9 canções.
Lisa é uma aluna americana que está a estudar em Londres durante um ano. Matt conhece-a no concerto dos Black Rebel Motorcycle na Brixton Academy. Matt apaixona-se e o filme segue a relação dos dois e os concertos a que vão juntos: Black Rebel Motorcycle Club, The Von Bondies, Elbow, Primal Scream, The Dandy Warhols, Super Furry Animals, Franz Ferdinand, Michael Nyman.
Seguimos a sua relação até ao Natal, quando Lisa regressa à América.

THE GOSPEL OF JOHN
O Evangelho Segundo São João

Com: Christopher Plummer, Henry Ian Cusick e Stuart Bunce
2003 – 180 minutos – Drama / Histórico
Realização: Philip Saville

Sinopse: O filme recria meticulosamente a era Bíblica, desde os seus templos à vida da aldeia, passando pelo guarda-roupa, fiel ao período, e conta com uma assombrosa composição musical.

SON OF THE MASK
A Máscara 2 – A Nova Geração

Com: Jamie Kennedy e Alan Cumming
2005 – 94 minutos – Comédia / Aventura / Fantasia
Realização: Lawrence Gutterman

Sinopse: Quando o aspirante a caricaturista Tim Avery (Jamie Kennedy) consegue ultrapassar o medo da paternidade com o nascimento do seu primeiro filho Alvey, descobre, inesperadamente, que o seu filho nasceu com habilidades surpreendentes... de algum modo, o bebé tem os poderes da Máscara de Loki. Para complicar as coisas, o cão da família vira a casa de pernas para o ar numa divertida batalha “bebé-versus-cão” para o controlo da Máscara.

DILLO CON PAROLE MIE
Gengibre e Canela

Com: Stefania Montorsi e Giampaolo Morelli
2003 – 109 minutos – Comédia / Romance
Realização: Daniele Luchetti

Sinopse: Quando Stefania acaba com o namorado Andrea, não imagina o que o Verão lhe reservou. Acaba de férias na estância grega "Ilha do Amor" com a sobrinha de 14 anos. Infelizmente, a sua sobrinha adolescente tem mais do que sol e surf em mente. Ela decidiu que este paraíso mediterrânico é o lugar onde ela vai finalmente perder a virgindade. No entanto, o rapaz giro que ela tem em vista, não é mais nem menos que Andrea, o ex-namorado da tia.

BOOGEYMAN
Quem Tem Medo do Papão?

Com: Barry Watson e Emily Deschanel
2005 – 89 minutos – Terror / Thriller / Mistério
Realização: Stephen T. Kay

Sinopse: Em todas as culturas existe um temível monstro que alimenta os pesadelos das crianças...
Apesar de ser um jovem adulto, Tim continua a acreditar piamente que o desaparecimento do seu pai, no passado, esteve relacionado com a existência do “Boogeyman”. Será tal criatura real? Ou estará a imaginação de Tim a fabricar uma explicação para o seu pai ter abandonado a família?

quarta-feira, julho 13, 2005

"Crash", de Paul Haggis

Class.:

"It's the sense of touch." (Graham Waters)
Certa noite, Graham (Don Cheadle), um detective a caminho de um local de crime, observa a sua companheira e amante latina, Ria (Jennifer Esposito), discutindo com uma mulher asiática que acabou de embater na sua viatura. À medida que insultos raciais crepitam, Graham constata que em Los Angeles as pessoas não se tocam… colidem (crash).

Paul Haggis estreia-se na realização depois da aclamação recebida pelo seu argumento para “Million Dollar Baby” de Clint Eastwood. “Crash” (não confundir com o homónimo de David Cronenberg de 1996) é um drama eloquente, enternecedor, inteligente, inspirador. Classificá-lo como filme racial é uma análise superficial. Não é um simples filme sobre raças, mas também sobre a condição humana, raiva e redenção. Expõe a desconfiança racial gerada pelo 11 de Setembro, mas também funciona como reflexão emocional e apresenta esperança após a ruína anímica.

À medida que as personagens vagueiam numa densa área cinzenta, entre o preto e o branco, a intolerância e a compreensão, subitamente surge o próximo momento de tensão, escondido ao dobrar a esquina.

Paul Haggis utiliza uma estrutura e premissa similar ao sublime “Magnolia” de Paul Thomas Anderson, “Grand Canyon” de Lawrence Kasdan, “Short Cuts” e “Nashville” de Robert Altman e “Thirteen Conversations About One Thing” de Jill Sprecher. As múltiplas histórias gravitando em torno de etnias, recordam igualmente “Traffic”, de Steven Soderbergh (cujas histórias gravitavam em torno do problema da droga).

Haggis alude que graças ao turbulento quotidiano, pessoas aparentemente sadias comportar-se-ão como lunáticas, principalmente quando o racismo, a xenofobia e os insultos manifestam-se em porções superiores à benevolência e generosidade humanas. Ele assusta surpreendendo plateias com personagens credíveis, que nos levam a reconhecer que as nossas expectativas estão assentes em estereótipos.



Apesar de todas as histórias não suportarem um peso idêntico, é de louvar o facto das personagens não serem exibidas como meros santos ou pecadores. O elenco é soberbo e as interpretações formidáveis. Sandra Bullock (Jean Cabot) representa uma insípida mulher, que não aprecia o que tem. É a antítese da sua figura lindinha e querida em Hollywood. A fúria de Thandie Newton (Christine) é arrepiante, Loretta Devine (Shaniqua Johnson) oferece pitadas de humor, Larenz Tate (Peter) e o músico Ludacris (Anthony) ostentam uma maravilhosa química, mas as superiores representações pertencem a Matt Dillon (Ryan) e Don Cheadle (Graham Waters). Dillon sustenta uma personagem complexa e é soberbo ao misturar reacções díspares. Cheadle tem um papel algo restrito, mas os seus olhos reflectem cabalmente dor e indignação.

“Crash” gera um intenso fascínio. Algumas cenas são enérgicas, poderosíssimas e Haggis exibe algum domínio no storytelling visual, mas “Crash” está longe de ser sublime. As lições por vezes são óbvias e algumas cenas são perceptivelmente exageradas. Por vezes parece que estamos perante a visualização de uma telenovela, talvez graças às várias temporadas que Haggis passou como escritor/produtor televisivo (“Walker, Texas Ranger”).

“Crash” confronta-nos com inúmeras questões, mas não oferece as respectivas respostas. As nossas reflexões deverão colidir para alcançarmos um entendimento. O filme procura intersectar várias histórias e como resultado desenvolve menos as personagens e deixa muitos laços por atar. Falta-lhe um pulso firme para ajustar as histórias, falta-lhe equilíbrio e simetria… falta-lhe sensibilidade cinematográfica. A tapeçaria de contos intersectados carece da solidez e consistência de um Paul Thomas Anderson. A película representa uma agradável lufada neste Verão cinematográfico, mas a certa altura tentativas forçadas de manipulação de emoções colidem com clichés banais.

terça-feira, julho 12, 2005

Lady In The Water



O próximo projecto de M. Night Shyamalan (“The Sixth Sense”, “Unbreakable”, “Signs” e “The Village”) intitulado “Lady In The Water”, será filmado em Bristol Township.

As filmagens irão começar no fim de Agosto. O thriller é sobre um vigilante de um prédio, que encontra uma ninfa na piscina do edifício. Paul Giamatti (“Sideways”) e Bryce Dallas Howard (“The Village”) foram contactados para fazerem parte do elenco. O cinematógrafo será Christopher Doyle (“2046”) e a música ficará a cargo do colaborador de Shyamalan, James Newton Howard.

A data de lançamento está agendada para 21 de Julho de 2006.

segunda-feira, julho 11, 2005

"War Of The Worlds", de Steven Spielberg

Class.:

Magistral tensão, déjà vus e Valium.

Em 1898, H. G. Wells apresentava a sua obra prima literária: “War of the Worlds”. Após o lançamento do livro, multiplicaram a sua obra através de séries em formato magazine, uma telenovela, uma peça de rádio em 1938, um filme realizado por Byron Haskin em 1953, e até numa peça musical em 1978. Spielberg recupera (novamente) a massiva invasão alienígena num pop-corn movie apocalíptico… pouco mais.

Spielberg foca a sua visão numa família desarticulada. O divorciado Ray Ferrier (Tom Cruise) encarregue pelos filhos Robbie (Justin Chatwin) e Rachel (Dakota Fanning) por um fim-de-semana, pensa arduamente em coisas divertidas para os entreter, apesar de não ser um pai exemplar. No entanto, algo imprevisível sucede: intrusos alienígenas surgem para aniquilar despoticamente o planeta. Enquanto a ameaça extra-terrestre desfere um ataque de destruição massiva, Ray tenta proteger os seus filhos numa angustiante luta pela sobrevivência.

Tom Cruise executa uma excelente transformação de homem egocêntrico em pai abnegado. A inesgotável energia que continua a exibir após tantos filmes, demonstra o seu amor pela arte de representar. No entanto há uma altura no filme em que os “Beach Boys” perguntar-se-ão por onde andam os raios de desintegração quando são precisos. Tim Robbins (Harlan Ogilvy) tem uma curta intervenção no filme, mas evidencia o seu formidável talento numa profunda e obscura participação. O jovem Justin Chatwin protagoniza uma personagem desinteressante. Dakota Fanning é claramente uma miúda com uma maturidade impressionante e possuidora de um enorme potencial. Em “War of the Worlds” trataram de torná-la irritante e apesar de saber que Cruise não iria gostar, sou da opinião que Fanning deveria ter sido administrada com Valium.

O argumento de David Koepp (“Jurassic Park”, “Panic Room”, “Spiderman”) e Josh Friedman (que escreveu o argumento para o novo filme de Brian de Palma “Black Dahlia”) exibe um minimalista e previsível desenvolvimento de personagens. Além disso, parece que o par de escritores andou divertido com brinquedos da equipa de efeitos especiais ILM, pois o argumento apresenta consideráveis crateras. Apesar de tudo, mantêm o foco bem pessoal e não descambam em monólogos irreais sobre o background das personagens, enquanto elas lutam pela sobrevivência (apesar de existir um par de cenas absurdas e até risíveis com Fanning).
Spielberg revela na primeira metade de filme, o seu ínfimo talento na composição de cenas e planos, analisando relações familiares e construindo um negrume que subjuga lentamente o público num terror escalado. A obra tem curtos momentos de puro brilhantismo e nos primeiros 40 minutos Spielberg constrói uma magistral tensão. Depois chegam os invasores e o visual extasiante apodera-se da obra. Os efeitos a cargo da ILM (Industrial Light & Magic) estão soberbos. Se conseguirem retirar os olhos da tela nas sequências de acção, observem os queixos de parte da assistência roçando o chão. O design dos Tripods, os raios de destruição, as perseguições estonteantes, tudo alcançado com requintado primor. Porém uma determinada revelação funciona como autêntico momento anti-climax (relembrando a categoria e excelência de Stanley Kubrick ao manter algo oculto em “2001: A Space Odyssey”). Janusz Kaminsky mantém a sua elevada bitola, com uma fotografia milimétrica e intimista e a composição sonora de John Williams é subtil e ambiental. Quanto aos efeitos sonoros… bem… INCRÍVEL!! O buzz dos raios-laser envolvendo e oprimindo a sala de cinema resulta numa experiência de Cinema assombrosa.



Depois do retrato afável traçado aos alienígenas, com sons e luzes deslumbrantes em “Close Encounters of the Third Kind” e com a amizade inter-galáctica de “E.T. – The Extra-Terrestrial”, Spielberg almeja submergir a audiência no caos e claustrofobia resultante de uma invasão extra-terrestre hostil. A impiedade dos aliens é bem alcançada pelo brilhante cineasta.

Todavia “War Of The Worlds” não é um filme imaculado. O filme não inova, aliás claudica em sequências que soam a repetitivas e oriundas de outras obras do género. Não domina o género, nem o transcende. As cenas de pânico e histeria em massa são convincentes, mas não acrescentam nada de novo. A invasão é inicialmente suspeitada como acto terrorista e as alusões ao 11 de Setembro surgem em catadupa: os sobreviventes cobertos de pó, a parede com fotografias dos desaparecidos. A abordagem peca por ser superficial.

Mas as sensações de déjà vu continuam: A arrepiante cena da casa de campo presente no filme de 1953 sofre um update. O conceito de invasão filtrada pelos olhos de uma família, já foi utilizado no filme “Signs” de M. Night Shyamalan. No entanto o fã de Spielberg (irónico, não?) exibiu domínio no storytelling e ressonância moral. “War Of The Worlds” contém ainda múltiplas referências a outras obras do género, sendo as mais evidentes: o fraquinho "Day of the Triffids" (1962) e o genial “The Day the Earth Stood Still” (1951). Propositado ou não, certo é a ausência de originalidade.

Espero que Spielberg não ande parco de ideias, mas ecos das suas anteriores obras estão espalhados pelo filme, realçando o cariz repetitivo de “War Of The Worlds”: a luta da família fraccionada de “The Sugarland Express”, a histeria em massas de “Jaws”, a desconexão pessoal de “Empire of the Sun”, a repentina chacina de “Saving Private Ryan”, o genocídio e as cinzas dos corpos queimados de “Schindler’s List”, e uma fenomenal cena envolvendo reflexos em “Jurassic Park” sofre um remake.

Acredito na magia do livro (genial no desenvolvimento, ténue na conclusão) e principalmente na peça de rádio (geradora de pânico) perpetuada por Orson Welles, pois dependiam da imaginação dos leitores e ouvintes. Acredito no impacto do filme de 1953, até porque as expectativas a nível de efeitos especiais eram escassas. No entanto, actualmente a história encontra-se desactualizada e Spielberg teve um esforço herculeano para adaptá-la à nossa época. O resultado é um filme que não oferece qualquer novidade ao género e detém um fraco, estéril e banal argumento adaptado, mas graças ao virtuosismo de um majestoso cineasta (dos melhores de sempre) a película brinda plateias com um ensaio cinematográfico que funciona como puro veículo de entretenimento. “War Of The Worlds” é uma proeza técnica, mas no cômputo geral está longe de ser um filme do outro mundo.

sexta-feira, julho 08, 2005

Eastwood iça nova bandeira

O próximo filme do brilhante cineasta Clint Eastwood (“Mystic River”, “Million Dollar Baby”) terá o nome de “Flags of Our Fathers”. O filme será baseado no livro "Flags of Our Fathers: Heroes of Iwo Jima" de James Bradley e o produtor será Steven Spielberg .

O pai de Bradley participou na batalha de Iwo Jima, que teve lugar no Inverno de 1945. Em apenas mês, 22000 japoneses e 26000 americanos morreram, e a batalha produziu uma das imagens marcantes da 2ª Guerra Mundial: seis soldados hasteando a bandeira americana no flanco do Monte Suribachi, o posto de controlo mais elevado da ilha.


Do elenco fazem parte Ryan Phillippe (“Crash”), Jesse Bradford (“Romeo+Juliet”) e Adam Beach (“Windtalkers”). O argumento pertence a Paul Haggis, que também escreveu “Million Dollar Baby” e foi o escritor/realizador de uma das boas surpresas do ano cinematográfico em Portugal: “Crash”. O início das filmagens está agendado para Agosto.

quinta-feira, julho 07, 2005

Estreias da semana

O meu destaque nas estreias desta semana vai para “War Of The Worlds”, de Steven Spielberg. Após “Minority Report” Steven Spielberg e Tom Cruise reúnem-se novamente em “War Of The Worlds”, um dos filmes mais aguardados da temporada.
Baseado no clássico futurista de H.G. Wells (escrito em 1898), a aventura de ficção científica revela a extraordinária batalha pelo futuro da humanidade, filtrada através dos olhos de uma família lutando pela sobrevivência, após uma invasão extra-terrestre.

Apenas Sábado terei oportunidade para ver o filme (infelizmente) e no Domingo conto apresentar a minha crítica, aqui no blog.
Enfim… cá ficam as estreias:



WAR OF THE WORLDS
Guerra dos Mundos

Com: Tom Cruise, Dakota Fanning, Justin Chatwin, Miranda Otto, Tim Robbins
2005 – 116 minutos – Ficção Científica/Drama
Realização: Steven Spielberg

Sinopse: É um thriller de ficção científica que nos revela a extraordinária luta pela sobrevivência de uma vulgar família americana, após uma invasão alienígena hostil.



A LOT LIKE LOVE
O Amor está no ar

Com: Amanda Peet, Ashton Kutcher, Taryn Manning, Aimee Garcia
2005 – 107minutos – Comédia/Romance
Realização: Nigel Cole

Sinopse: Tudo começa quando dois jovens se conhecem num voo interestadual.
Oliver (Ashton Kutcher) é um recém-graduado com ideias definidas sobre o sucesso profissional e o amor.
Emily (Amanda Peet) é corajosa, espontânea e impulsiva.
Dois destinos, duas formas incompatíveis de encarar a vida. Reflectem-se um no outro por breves momentos mas claramente não foram feitos para ficarem juntos. Ou foram?
Apesar de continuarem com as suas vidas, Oliver e Emily não se esquecem dos seus encontros. À medida que se cruzam, ano após ano, cidade após cidade, relacionamentos após relacionamentos, existe sempre alguma coisa que os separa. No entanto há também algo inexplicável que insiste em aproximá-los.



CRIMEN FERPECTO
Crime Ferpeito

Com: Guillermo Toledo, Luis Vera, Mónica Cervera
2004 – 105 minutos – Comédia
Realização: Alex de la Iglesia

Sinopse: Rafael é um tipo sedutor e ambicioso que gosta de mulheres bonitas, roupa elegante e um ambiente sofisticado.
Nasceu para vender, e por isso trabalha num grande armazém do qual aspira chegar a chefia.
Por fatalidade do destino, o seu principal rival morre acidentalmente e a única testemunha é Lurdes, uma empregada feia e obsessiva que começa a chantageá-lo.



AALTRA
Aaltra

Com: Benoît Delépine,Gustave de Kervern, Michel de Gavre, Gérard Condejean, Isabelle Delépine
2004 – 92 minutos – Comédia
Realização: Benôit Delépine

Sinopse: Dois vizinhos, cuja coabitação é difícil, odeiam-se e confrontam-se constantemente.
Uma violenta disputa entre os dois acaba no hospital, depois de uma máquina agrícola cair sobre eles.
Ficam os dois paralisados da cintura para baixo e saem do hospital em cadeira de rodas. Depois de muito pensar, desistem da ideia do suicídio e voltam a encontrar-se por acaso na plataforma da estação para apanhar o mesmo comboio.
Vizinhos outra vez, para o melhor e para o pior, começam uma viagem atípica que tem por objectivo exigir uma indemnização aos fabricantes finlandeses da máquina agrícola que lhe provocou o acidente. Vai ser um verdadeiro percurso iniciático, uma autêntica viagem de iniciação em que irão descobrir o seu “vizinho”.

quarta-feira, julho 06, 2005

Cinemateca apresenta: Hitchcock



A Cinemateca Portuguesa exibe hoje dois filmes do mestre Alfred Hitchcock, inseridos no ciclo “Jóias no Cinema: Maldições e Condões”.

Pelas 19h será exibido “Family Plot” (aka “Intriga em Família”), datado de 1976. Este é o derradeiro Hitchcock, embora o cineasta não o tenha encarado assim e tivesse, no futuro, tentado montar outros projectos. Filme de fina ironia, é como outros filmes finais de Hitchcock algo subestimado. Revê-lo é perceber que toda a perversidade de Hitchcock se encontra em pleno, num filme que, aliás, tem tudo para ser um dos mais enigmáticos da sua obra.

Pelas 22h é projectado “Under Capricorn” (aka “Sob o Signo de Capricórnio”), de 1949. Trata-se de um dos filmes mais discutidos de Hitchcock, que nele leva a cabo outra notável experiência no uso do plano-sequência que fizera em “The Rope”, e que aqui tem uma aplicação na genial sequência da confissão de Ingrid Bergman, num grande plano que dura quase 10 minutos. É uma admirável história de amor, de culpa e redenção, fotografada com mão de mestre por Jack Cardiff.

Esta é uma excepcional oportunidade concedida aos lisboetas, para enriquecerem (de sobremaneira) a sua cultura cinéfila. Os bilhetes têm o preço único de 2,5 euros.

terça-feira, julho 05, 2005

Fincher envolvido num par de projectos



A Paramount e a Warner Bros. anunciaram a contratação do realizador David Fincher (“Se7en”, “Fight Club”, “The Game”), para liderar os projectos intitulados “Zodiac” e “The Curious Case of Benjamin Button”.

"Zodiac" já se encontra em pré-produção e arrancará com filmagens em Setembro, nas cidades de San Francisco e Los Angeles. Do elenco constam Mark Ruffalo (“Eternal Sunshine of the Spotless Mind”, “Collateral”), Robert Downey Jr (“Gothika”), Jake Gyllenhaal (“Donnie Darko”) e Anthony Edwards (“Top Gun”).
O filme é baseado em factos reais sobre um serial-killer e terá o argumento a cargo de Jamie Vanderbilt (“Basic”).

Fincher tomará as rédeas de “Benjamin Button” em Outubro de 2006. A história centra-se num estranho romance entre um homem (Brad Pitt) de 50 anos e uma mulher (Cate Blanchett) de 30. A narrativa de F. Scott Fitzgerald será adaptada para o grande ecrã por Eric Roth (“The Insider”, “Forrest Gump”).

Será mesmo desta que teremos David Fincher com uma nova obra, depois de “Panic Room” (2002)?
Caso “Benjamin Button” se concretize, esta será a terceira colaboração entre Fincher e Pitt, depois de “Se7en” e “Fight Club”. Óptimo!

sábado, julho 02, 2005

“Donnie Darko”, de Richard Kelly

Class.:

Dark. Darker. Darko.

No horizonte surge o Sol, brilhando sobre as árvores frondosas pinceladas com gotas de orvalho. Prostrado no alcatrão de uma estrada embutida na montanha, jaz um corpo inanimado junto a uma bicicleta derrubada. Acidente? Morte? Qual a ocorrência? De repente, o corpo manifesta movimento e é revelada a silhueta de um adolescente erguendo-se lentamente. Ele contempla o horizonte, monta na sua bicicleta e pedala pela estrada abaixo. Este é apenas mais um amanhecer, na vida bizarra de Donnie Darko.

Imaginem que são sonâmbulos, e num dos vossos devaneios nocturnos deparam-se com um coelho gigante de aspecto demoníaco chamado Frank, que vos diz que o mundo acabará em 28 dias, 6 horas, 42 minutos e 12 segundos. Quando acordam e voltam a casa, deparam-se com uma turbina de avião encaixada no vosso quarto. Porque sobreviveram?

Donnie Darko” foi escrito e realizado pelo estreante Richard Kelly. Com apenas 26 anos, Kelly criou com visuais deslumbrantes um original filme dark. A obra foi filmada com o típico baixo orçamento associado a filmes indie, no entanto, os efeitos especiais são de topo (com uma saliente influência de “The Abyss”, de James Cameron). Kelly apoderou-se de técnicas consideradas antiquadas e criou um filme com efeitos especiais eficazes e convincentes, usados em prol de uma brilhante narrativa. “Donnie Darko” incorpora referências aos anos 80, denunciando a sociedade monótona, conservadora, pútrida e hipócrita. Exibe uma harmoniosa fusão de ficção científica, thriller psicológico, comédia negra explosiva, drama, suspense, fantasia e evidencia igualmente um dos mais poderosos gritos da juventude. Tudo bem aconchegado num convincente e atraente ambiente ameaçador.
O alucinante filme evoca o universo de David Lynch, num formato original e inovador. “Donnie Darko” por vezes excrucia com uma lentidão que possibilita penetrar na mente aluada de Donnie. Senti-me hipnotizado, fascinado, sem fôlego e atemorizado. Desta forma, a atmosfera sonhadora do filme é maravilhosamente assimilada.



A trilha sonora de Michael Andrews é fascinante e a música popular da década de oitenta pontua de forma perfeita momentos arrepiantes. As brilhantes cenas são adornadas com canções dramáticas da época: Tears for Fears – “Head Over Heels”, Duran Duran – “Notorious”, Joy Division, Psychedelic Furs e até uma magnífica cover de Gary Jules para “Mad World” de Tears For Fears. Donnie Darko é nome de super-herói e de jovem esquizofrénico. Jake Gyllenhaal fornece uma soberba interpretação como adolescente brilhante, rebelde, perdido, confuso e atormentado. Gyllenhaal consegue alternar entorpecimento com efervescência (gerada pela súbita auto-confiança) em assombrosos segundos.

Donnie Darko” apresenta inolvidáveis diálogos e cenas. Tais como o debate ao jantar entre Donnie e a irmã Elizabeth (Maggie Gyllenhaal, que também é irmã de Jake na vida real), o colóquio da cidade, os anúncios comerciais de Jim Cunningham (Patrick Swayze) e a forma como Donnie rebate as teorias dos amigos sobre as orgias dos Smurfs (Estrunfes). O filme é magistralmente representado, filmado, editado, detentor de uma exímia montagem final e maneja de forma impecável uma miríade de referências culturais.

Donnie Darko” é uma Obra-Prima, um meritório Filme de Culto de sublime execução. Embora congemine elementos aparentemente desconexos, Richard Kelly imbuiu cada cena com um brutal sentido de finalidade. Apesar de existir uma camuflada solução para o enigmático filme, este actua como uma verdadeira obra de Arte: a pura imagem artística surge dentro de cada um. Atormenta, cativa e revolve o inconsciente. A partir daí despontam múltiplas interpretações, pois a obra atinge individualmente a alma do observador e sussurra-lhe de forma sedutora e pessoal.

Donnie Darko” é perturbador e estimulante. É um poema audiovisual construído de forma excelsa. “Donnie Darko” expõe os mais abstrusos pesadelos, medos e fantasmas que vagueiam no nosso inconsciente. No final do filme atentem bem nesta linha da música “Mad World”: «The dreams in which i’m dying, are the best i‘ve ever had». Sublime deus ex-machina.
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