sexta-feira, setembro 28, 2007

"The Bourne Ultimatum", de Paul Greengrass

Class.:



Cinema Red Bull

Cinco anos após Doug Liman ter introduzido ao mundo da Sétima Arte o assassino que sofre de amnésia Jason Bourne, Paul Greengrass remata de forma absolutamente perfeita a trilogia inspirada no bestseller de Robert Ludlum. A seguir à conclusão de “The Bourne Supremacy”, Greengrass fez um interregno para dirigir o simplesmente soberbo “United 93”. A crueza pura e dura imprimida no retrato dos malogrados eventos promoveu finalmente uma aclamação quase unânime do seu trabalho artístico. Mas tal como a bebida estimulante que menciono no cabeçalho deste comentário, o travo que este cineasta deixa no palato cinéfilo de alguns é extremamente ácido, estranho e enjoativo. Toda a ansiedade que escorre da projecção de Ultimatum, fervilhando de forma alarmante nas nossas próprias veias, é inteiramente necessária. As explosões de energia que se propagam ao longo do filme reflectem a premência de Bourne, uma personagem que persegue pelas artérias urbanas internacionais a sua própria Identidade. Poucos filmes combinam uma atmosfera tão densa quanto excitante e contam-se pelos dedos de uma mão as sagas cinematográficas que chegam ao seu epílogo com o vigor intacto e seus propósitos afinados. “The Bourne Ultimatum” triunfa no altear dos desafios da trilogia, no frenesim de uma acção praticamente irrespirável, no desenvolvimento das personagens anteriormente exploradas e na introdução de novos vilões. É uma jornada cinética que respeita a inteligência da audiência graças ao seu argumento escorreito, ao seu corajoso compasso moral, à impecabilidade das suas interpretações e à excitação proporcionada pelo espectacular trabalho de duplos. O desempenho de Matt Damon na pele de Jason Bourne é nada menos que magnético, conciliando instintos assassinos com um sentido tangível de decência. Perpassa pelos contornos do seu rosto uma inocência trágica que combina na perfeição com a urgência estóica do seu olhar.



The Bourne Ultimatum” é o exemplar filme de acção, com uma alma tão genuína que não se deixa pixelizar. Conclusão de uma saga que alberga um profundo subtexto, irrigado em elementos metafóricos como a água que abre e conclui a trilogia, num relance meditativo sobre a possibilidade de redenção e renascimento. A câmara de Greengrass gera uma sensação de movimento perpétuo tão fluido quanto as acções de Bourne, elevando incomensuravelmente os níveis de adrenalina e realçando com sua estética peculiar os nervos da estrutura temática da sua obra e respectiva colisão de filosofias sobre a venda da segurança mediante a remuneração da liberdade de individualidades que gravitam em cenários contemporâneos de totalitarismo. Esta Arte de filmagem reflecte a tensão e os níveis de consciência que imergem a personagem em questão, colocando o sujeito expectante numa equivalência de estado mental que tenta sorver o máximo das torrentes de informação visual que Jason Bourne tenta fundir para alcançar um nexo definitivo. Nesta dinâmica refinada de acção com gravidade, trajectória, sentido de história e personagem, existe ainda lugar para consciência política e para uma invulgar introspecção humana. É um conto emocionalmente honesto sobre o regresso a casa do soldado do século XXI, com repercussões transcendentais numa era em que anciãos do poder global apunhalam idealismos da juventude, enviando seus pupilos para guerras que não podem vencer. Camuflada sob a roupagem de filme de Acção, esta obra resulta de forma sublime como exploração das consequências que o nosso mundo enfrenta, quando a liberdade individual é cada vez mais considerada um privilégio em vez de um Direito Humano fundamental.

quinta-feira, setembro 27, 2007

"Barry Lyndon" e seus zooms


Um desses zooms começa aqui…



… e termina aqui!


Kubrick... o Mestre perfeccionista do Cinema.

quarta-feira, setembro 26, 2007

Curiosidade de pacote de cereais



Nicholas Ray sentiu muito a morte de James Dean, mas um dos seus actores preferidos e ídolo do próprio Dean optou por soltar um comentário venenoso naquela atmosfera de lamentações. Humphrey Bogart disse: «James Dean morreu exactamente no momento certo. Se tivesse vivido, não teria conseguido fazer jus à imagem e à lenda criada pelos agentes de publicidade da Warner».

terça-feira, setembro 25, 2007

Hotel Chevalier



Quando o novo filme de Wes Anderson, “The Darjeeling Limited”, começou a ser produzido, comentou-se que a actriz Natalie Portman estaria incluída no elenco. Na realidade, juntamente com Jason Schwartzman, ela protagoniza “Hotel Chevalier”, curta-metragem do próprio Anderson que serve como prelúdio de “The Darjeeling Limited”. A curta tem sido anexada às cópias do filme na sua rota festivaleira, mas amanhã já se deve encontrar disponível no iTunes.

segunda-feira, setembro 24, 2007

Beijo... te


Three Times”, de Hou Hsiao-hsien

sábado, setembro 22, 2007

Diante da finitude


The Fountain”, de Darren Aronofsky


Ikiru”, de Akira Kurosawa





The Fountain”, de Darren Aronofsky


Ikiru”, de Akira Kurosawa





The Fountain”, de Darren Aronofsky


Ikiru”, de Akira Kurosawa





The Fountain”, de Darren Aronofsky


Ikiru”, de Akira Kurosawa

sexta-feira, setembro 21, 2007

There's Only One Sun



Wong Kar-wai faz-me muita falta! Sinto necessidade de novas manifestações imagéticas da sedução e beleza hipnótica que enleia suas criações. Mas enquanto não chega a terras lusas o seu “My Blueberry Nights”, sossego ligeiramente minha ânsia nos 10 minutos da curta que criou para o novo televisor da Philips: Aurea.
Cliquem na imagem.

quinta-feira, setembro 20, 2007

Mashup #14



Alguém teve a hilariante ideia de imbuir o genérico dos Simpsons com personagens “Star Wars”.
Cliquem na imagem.

quarta-feira, setembro 19, 2007

Difundir este maravilhoso conto



Às 18h30m da próxima sexta-feira, será lançado na Casa da Animação (Porto) um livro baseado na curta-metragem de animação de Regina Pessoa, “História Trágica com Final Feliz”. O pacote incluirá um DVD da curta-metragem, com a duração de sete minutos e 46 segundos, e também uma caixa de brinquedos ópticos com oito elementos, com imagens do filme e outras em branco, para que as pessoas possam criar as suas próprias animações. A realizadora, que marcará presença no lançamento, justificou o livro com as seguintes palavras: «Como o filme tem imagens tão bonitas achei que valia a pena colocá-lo noutro suporte. Assim, mais pessoas têm acesso à história». Para quem ainda não sabe, “História Trágica com Final Feliz” é provavelmente o filme português mais premiado de sempre (45 galardões até ao momento), havendo conquistado em 2005, o Grande Prémio do Festival de Annecy, o mais importante certame de animação do mundo.

terça-feira, setembro 18, 2007

O Sabor da Melancia



Uma seca terrível e um Verão rigoroso assolam a cidade de Taipé, capital de Taiwan. Recém-chegada de França, a jovem Shiang-chyi encontra algumas mudanças no local e a nova mania para combater o calor: melancia. Abundante no local, a fruta serve também como alimento afrodisíaco, despertando desejos em Hsiao-kang, um rapaz por quem se apaixona. O que ela desconhece é que nas horas vagas, ele assume a profissão de actor porno. Tsai Ming-liang é um realizador que provoca indigestões em diversas plateias, mas se é certo que “O Sabor da Melancia” apresenta a sua temática das consequências sociais de comportamentos da modernização, também não deixa de ser verdade que este filme não representa um dos seus melhores trabalhos. Todavia, a memorável cena final que muitos irão rejeitar, mais do que uma transgressão surrealmente erótica, representa para mim uma expressão de Amor que se insere perfeitamente no contexto de Tsai Ming-liang. Uma reformulação de elementos apresentados ao longo do filme, num extravagante momento de conexão.

segunda-feira, setembro 17, 2007

Once



É raro apaixonar-me por um musical. Até a versão recente e amplamente elogiada de “Hairspray” me passa completamente ao lado. Todavia, existem sempre excepções. E neste caso particular, existe um filme que me enamorou com sua premissa e respectivo trailer: “Once”. Trata-se de um filme independente de John Carney, que venceu o Prémio do Público no Festival de Sundance do presente ano. “Once” é descrito como um romance musical que evita convenções ao narrar o encontro de um músico de rua e de uma imigrante checa, que durante uma semana escrevem, ensaiam e gravam canções que revelam a sua peculiar história de Amor.
Para compreenderem (talvez) melhor esta minha recente paixão, cliquem na imagem acima exposta.

sábado, setembro 15, 2007

Filmar Acção, segundo Greengrass


Na minha humilde opinião, a trilogia de Jason Bourne, baseada no bestseller de Robert Ludlum, é um marco do Cinema de Acção contemporâneo. Neste plano prodigioso de “The Bourne Supremacy”, uma câmara em punho filma o vidro traseiro do interior de um carro. Vislumbrando o subjectivo na relação espectador-imagem, somos sugados para o interior do veículo, participando na perseguição. Paul Greengrass preserva aqui a integridade de espaço.



Com um movimento Chicote (Whip Pan), a câmara faz-nos percepcionar a nossa localização. Encontramo-nos no banco do passageiro. Somos o Passageiro.



Bourne atenta pelo vidro retrovisor o movimento dos carros que o perseguem, ignorando a estrada que intersecta à sua frente e que surge no nosso campo de visão enquanto passageiros.



Subitamente, vemos um carro policial em plena derrapagem, no exacto momento em que Jason tenta olhar para trás, pois a sua atenção prende-se na acção que decorre na cauda do veículo.



O impacto é súbito, imediato e o choque resulta de forma lógica e natural, como o movimento de agitação da câmara que traduz a reacção do passageiro (nós), magnificando a experiência. Tudo isto numa fracção de 3 segundos!
Brilhante!

sexta-feira, setembro 14, 2007

Perdidos (?)


Donnie Darko”, de Richard Kelly



Gerry”, de Gus Van Sant

quinta-feira, setembro 13, 2007

"Youth Without Youth" - teaser



Assombra. Intriga. E quando nos conduz ao ponto em que desejamos mais e mais… sentencia com uma frase: «We are running out of time». Este é o verdadeiro conceito de teaser. Finalmente temos uma amostra da primeira longa-metragem do mestre Coppola numa década. Uma história de Amor embrulhada num mistério assente no período da Segunda Guerra Mundial, onde um tímido professor é abalroado por um evento cataclísmico que o leva a explorar os mistérios da vida. O filme tem estreia agendada para o próximo mês de Outubro, durante a segunda edição do Festival de Cinema de Roma.

Para assistirem ao teaser, cliquem na imagem acima exposta e escolham o formato que desejarem.

quarta-feira, setembro 12, 2007

"Southland Tales" - poster



O filme está finalmente concluído. O cartaz final é verdadeiramente maravilhoso, ilustrando toda a complexidade que deve perpassar pela película. E a sua estreia está agendada para 9 de Novembro.

"Love in the Time of Cholera" - poster



Com o romance que está na origem deste filme, Gabriel García Márquez forjou um amor excessivo, total, desafiando os limites do corpo, do coração, de convenções sociais e do próprio tempo. O responsável pelo argumento adaptado é Ronald Harwood (“The Pianist”). Javier Bardem e Catalina Sandino Moreno marcam presença no elenco. E na cadeira de realizador encontramos Mike Newell, autor de “Donnie Brasco” e dessa preciosidade algo olvidada, “Enchanted April”. O filme estreia nos Estados Unidos a 16 de Novembro.

terça-feira, setembro 11, 2007

Ainda sobre leões...


Mais do que salientar o Leão de Prata que Brian De Palma arrecadou com a realização de “Redacted”, torna-se incontornável assinalar o seu 67º aniversário. Porque não me surpreende assim tanto que sua data de aniversário se situe a 11 de Setembro? Até “Sisters” (1973) tinha vários vislumbres das Torres Gémeas inacabadas…
O seu Cinema é assente no voyeurismo da própria morte. Com uma estética inquieta e impetuosa, expõe panorâmicas, travellings, longos planos sequência, ângulos desorientadores e planos picados que realçam a vulnerabilidade do ser humano, numa imagem que se encontra ao serviço da palavra. Produto de uma adolescência decorrida nos anos 60, De Palma manifesta fortes sentimentos contra a degeneração moral de uma América convertida em sociedade arrogante, movimentando suas películas num mundo corrupto, dentro do qual seus protagonistas tentam encontrar um marco moral que os ampare.

Parabéns Brian De Palma! És imenso!

segunda-feira, setembro 10, 2007

E o Leão de Ouro vai para...

sábado, setembro 08, 2007

"Mysterious Skin", de Gregg Araki

Class.:



Anjos quedados

Mysterious Skin” é a história de dois rapazes unidos implacavelmente por um acontecimento do passado. Brian (Brady Corbet) vive com um hiato na memória que lhe impede a recordação da causa que lesou sua alma. Neil (Joseph Gordon-Levitt) por seu lado, recorda cada ângulo da ocorrência que tomou controlo indelével sobre a sua vida. Se o tema da Pedofilia serve de base para as chalaças de um número considerável de comediantes, para Gregg Araki serve de ponto de partida para uma avaliação sóbria da sua verdadeira natureza e das suas consequências crónicas. Manipulando uma matéria delicada e obscura, Araki constrói um filme perturbador, mas tremendamente lúcido e pleno de toques subversivos sobre os ritmos narrativos do género. A obra não resulta de forma tão sumariada e manipulativa como uma exploração dos horrores do abuso de crianças. A sua meditação visa discorrer sobre algo mais amplo. Sobre a premência de ultrapassar obstáculos que nos impedem a formação enquanto seres viventes, pensantes e sensitivos. Pleno de compostura na realização, Araki humaniza as vítimas em vez do malfeitor, injectando-lhes nuances de complexidade que minam subtilmente a estampagem de histeria que filmes sobre a Pedofilia exibem. Seus interesses prendem-se com os laços emocionais, com a subjectividade da experiência dos molestados, com as oposições e simetrias que o trauma transmite e regista na memória. E para o alcance de um resultado tão notável, Araki contou com actuações inspiradas na dupla principal do seu elenco. Corbet tem um desempenho delicadamente equilibrado num estado titubeante, onde o alvorecer de cada dia fortalece uma noção de antecipação. Todavia, a interpretação avassaladora do filme pertence a Gordon-Levitt, um talento que além de revelar maturidade na triagem dos papéis que acolhe, emana uma energia intelectual tão espontânea quanto a sua paixão. As mutações que imprime em Neil, de adolescente altivo a vítima de assustadora vulnerabilidade são vertiginosamente reais. Em determinadas alturas, o seu olhar cerra-se em cortinas que cobrem praticamente todos os resquícios de um ser humano. Mas aos poucos e poucos, ele descobre-se mais e mais.



Personagens homossexuais são maioritariamente utilizadas em comédias burlescas, enquanto a temática da homossexualidade surge apenas trabalhada por autores concebidos em estúdios independentes. Contudo, aqui não existe o escape de uma história de Amor, nem o cinismo de uma propaganda conceptual. “Mysterious Skin” pulsa com uma autenticidade amarga, dolorosa e profunda. Cena após cena, o filme atinge uma profundidade que volta as costas à convenção, manifestando um coração no seu âmago que nos livra de mais um exercício de choque gratuito. “Mysterious Skin” adquire uma tonalidade etérea através da sua imagética, mas a respectiva textura luxuriosa que praticamente solicita o nosso toque humano, assenta o filme no solo firme da realidade. Mesmo quando sentimos um poder sobrenatural clamar pela ascensão dos espíritos torturados, os grilhões que os encarceraram nesta terra devassa puxam-lhes sempre para uma realidade de padecimento. O termo Abuso simplifica em demasia o que sucedeu com estes meninos e Araki explora a matéria com doses certeiras de corajosa honestidade e ambivalência. A trajectória do arco de sofrimento dos dois rapazes converge para um encontro onde as feridas terão de ser abertas, para a câmara poder ascender daquele tumulto emocional e desaparecer na noite do seu futuro. Nesta atmosfera não pairam condenações nem absolvições. Tudo se condensa em torno das revelações que poderão impulsionar a regeneração do tecido espiritual destas almas malogradas, cujas asas de pureza foram ceifadas.

sexta-feira, setembro 07, 2007

My Soulmate


Fotograma de “Mysterious Skin


Ele: I wish there was a movie showing right now.

Ela: Me too... a film about our lives... everything that’s happened so far. And the last scene would just be us, standing right here. Just you and me.

quinta-feira, setembro 06, 2007

Mashup #13



E não é que zombificaramWest Side Story” de forma absolutamente genial?
Cliquem na imagem.

quarta-feira, setembro 05, 2007

Curiosidade de pacote de cereais



Na criação de “Ratatouille”, Remy foi desenhado com 1.150.070 pêlos espalhados pelo corpo, enquanto Colette possui 176.030 pêlos na cabeça, sendo que um ser humano tem em média cerca de 100.000 a 200.000.

terça-feira, setembro 04, 2007

Blog de um filme



Ensaio sobre a Cegueira”, um dos melhores romances do nosso José Saramago que será adaptado cinematograficamente pelo brasileiro Fernando Meirelles (“Cidade de Deus” e “The Constant Gardener”), ganhou um blog oficial, onde o próprio Meirelles como signatário, adopta uma linha bastante confessional. O romance é um retrato contundente da condição humana, mostrando-nos o desmoronar completo da sociedade que, por causa da cegueira, perde tudo aquilo que considera Civilização. Ao banir marcas de identificação espácio-temporal, Saramago faz do romance um espelho onde o leitor poderá mirar-se e reflectir sobre o seu papel, enquanto participante activo na construção da história da Humanidade. Existe igualmente uma supressão de identidade associada à cegueira que se espalha. Ao assumir que os nomes são desnecessários no relacionamento das personagens no hospício, fica implícita a trajectória que deveremos seguir, na descoberta (porventura dolorosa) do «eu» e do «outro».
Para conferirem o blog de “Blindness” (título oficial do filme), cliquem aqui.

segunda-feira, setembro 03, 2007

Momento Zen

sábado, setembro 01, 2007

"Ratatouille", de Brad Bird

Class.:



Buffet de sensações

Partindo do princípio da Fábula (conferir Humanidade aos animais em histórias cujo desenlace reflecte uma moral), Brad Bird desenha relações temperadas pelos sonhos e ambições de Remy, um rato desajustado com a sua condição de animal desprezível, que ambiciona tornar-se um Chefe de Cozinha. Com uma narrativa que poderia muito bem servir um artístico filme independente, “Ratatouille” representa condignamente o supra-tema da Animação: o respeito pela diferença, radicalizado num ser tão repulsivo como o rato. Nem todos podem alcançar o estatuto de grande artista, mas a Arte surge onde menos se espera.

O que torna “Ratatouille” excepcionalmente delicioso é a forma como todos os seus ingredientes se fundem, demandando que o desgustemos como se de uma refeição Gourmet se tratasse. Tal como a receita mencionada no título, a humilde disposição de “Ratatouille” é confeccionada com uma bela dose de Amor. Contornando a regra geral dos estúdios jactanciosos de Animação, a obra realça um âmago intimista, prevalecendo como estudo de personagem e respectivo meio envolvente, em detrimento do espectáculo, da acção e da gargalhada fácil. É um filme repleto de valores de produção que não cai na ratoeira da extravagância CGI. Com a Pixar, nem os actores são seleccionados consoante o seu grau de celebridade ou com o intuito de preencherem cartazes publicitários com seus nomes. Os feiticeiros desta companhia nunca tombam na simplicidade do trilho mais acessível para a fama. Tudo é orientado em prol da qualidade e simplicidade de uma boa história. Não existe uma tentativa de criar o desenho mais fofo de sempre, nem passeia pelo filme um rato de mãos nos calções a assobiar, com silicone nas orelhas. As personagens que pululam pelo conto são roedores abjectos que ganham a nossa simpatia, porque para a corajosa Pixar tudo gravita em torno do tratamento concreto de questões humanas a partir de abstracções suscitadas pelo exercício de fantasia animada. A conquista da audiência terá de surgir a partir da interacção do mundo animado com as personagens e respectivas nuances comportamentais.



Os padrões exageradamente realísticos na concepção dos desenhos das personagens são ignorados em prol da ênfase que se pretende investir na movimentação e ambiência. E neste domínio de perfeição absoluta, a Pixar pulveriza concorrências no reino da Animação. Tal como os subúrbios de “Toy Story” ou o mar exótico de “Finding Nemo”, o pano de fundo é tão vívido quanto as personagens que o preenchem, permitindo uma liberdade de movimentos e perspectivas que esticam e contrastam para gerar múltiplas sensações, enquanto a sua imagética varre todo o nosso campo de visão. Cada fotograma é uma Obra de Arte. Um festim para os sentidos. Deambulando pela Cidade da Luz, do Amor e da bela comida, a fluidez de movimento gera sensações hipnóticas de magia, numa composição em ecrã largo que encerra inúmeros detalhes. Até Michael Giacchino, o compositor de serviço da brilhante série televisiva “Lost” e do anterior filme de Bird (“The Incredibles”), elabora uma trilha que nos transporta para a Paris clássica do Cinema. Boémia, bela e romântica, a cidade fica divinamente envolvida em traços Jazz, um ritmo que emana um espírito de liberdade. “Ratatouille” é também uma carta de Amor a Paris, uma cidade que adquire os contornos palpáveis de uma autêntica personagem. Um local instantaneamente familiar e infinitamente misterioso, que injecta profundidade emocional nos acontecimentos que acolhe. A cada novo filme, a Pixar eleva a sua própria fasquia, com animações cada vez mais expressivas, fluidas e emotivas como o estilo tradicional. A sua beleza é extasiante, repleta de sombras e texturas. Existe genialidade na manipulação de pêlo, água, fogo e alimentos, que parecem sempre quentes e saborosos em vez de frios e plásticos. Tal como Walt no período glorioso da Disney, Lasseter, Bird e restantes feiticeiros da Pixar compreenderam que o inimigo da inovação é a complacência. Em todos os projectos que abraçam, existe um mergulho no escuro que nunca torna a salvação um dado adquirido. Um desafiar dos limites que emerge a noção de que para a concepção de Arte magnificente é necessária uma união de artistas com a honestidade emocional necessária para estampar Humanidade na criação.

Assim como um bom vinho no seu estágio em garrafa, as obras da Pixar tendem a evoluir com o passar dos anos. Bem antes da rolha saltar e de sorvermos o néctar divino, já sabemos como um vintage se irá comportar no nosso palato. Contudo, existem sempre pequenas surpresas que elevam a experiência com memoráveis particularidades. Não existem cá piadas à cultura pop contemporânea, pois os desígnios da Pixar são tão intemporais como o Humor do Cinema mudo. Aqui entra a magia que “Toy Story” também manifestava quando os bonecos tombavam inanimados assim que entrava um ser humano no quarto. O grande charme de “Ratatouille” reside na relação entre Remy e Linguini (que apenas escuta guinchos quando o roedor abre a boca). Através de uma comunicação assente na troca de olhares e gestos, assistimos à evolução de uma sinergia que a fala poderia arruinar. Em “Ratatouille” não existem as vitórias e derrotas apregoadas na Animação, mas mudanças de percepção. Pena que exista ainda muita gente que encara a Animação como uma babysitter, nunca a percepcionando como uma forma de Arte. Com “Ratatouille”, Bird continua a reanimar o drama humano de “The Incredibles”, mas sem a fanfarra da acção que impedia os miúdos de se distraírem pelo caminho. Prevalece uma ânsia arrojada em desafiar e subverter as noções preconcebidas da plateia, incluindo suas ansiedades. “Ratatouille” não representa apenas a história de uma personagem com um sonho alucinado de vida, mas o retrato de um Artista que persegue de forma devota a sua Musa.
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