domingo, maio 28, 2006

A ferramenta cénica


Sexta-Feira, 26 de Maio de 2006.
Este representou o segundo dia do Act 1 da 12ª Edição do Festival Super Bock Super Rock e um dos mais consistentes ao nível de qualidade de actuações que tive o privilégio de assistir. As próximas linhas de texto reflectem uma breve apreciação sobre este dia glorioso, nas quais irei lavrar sucintamente os sentimentos que as bandas do palco principal me injectaram. Os portugueses Primitive Reason iniciaram a programação do dia com o intuito de aquecer os motores da plateia, para uma noite que se esperava bem mais engrenada que a anterior. O culto que a banda formou desde o lançamento de “Seven Fingered Friend” é justíssimo e o seu talento musical é inquestionável, mas ultimamente a banda tende para extravios experimentais que atrofiam a qualidade muscular dos seus concertos. O resultado foi uma actuação disforme. A banda que se seguiu foram os míticos Alice in Chains. Regressando ao activo após a morte do carismático vocalista Layne Staley, a conexão com o público foi imediata. Foi absolutamente maravilhoso estar imerso no público cantando nostalgias grunge como “Rooster”, “Would?”, “Down in a Hole” ou “Angry Chair” ao som da inimitável guitarra de Jerry Cantrell, mas a banda aparenta desarticulação temporal e de identidade. O novo vocalista William Duval (da banda “Comes with the Fall”) foi de uma extrema simpatia, falando imenso num português tremido e agradecendo numa atitude nobre «…o facto de me deixarem tocar com Alice in Chains». O seu timbre de voz é praticamente idêntico ao do Staley, mas a sua irrequieta energia contrastando com a inerte, sombria e depressiva postura do falecido líder, remete-nos por vezes, para a sensação de um karaoke. Mesmo assim, foi uma coesa actuação musical. Deftones foram os terceiros da noite a entrar em palco, mas protagonizaram o segundo melhor concerto. "Korea" abriu as hostilidades e esses primeiros acordes foram o suficiente para encetar o ininterrupto pular da plateia. Sempre colocado à boca do palco, o líder Chino Moreno ainda exibe a peculiar androgenia vocal. A brandura melódica depressa deflagrava em labaredas de raiva que facilmente transpunham o Tejo em direcção a Almada. A mescla de instrumentais etéreas e vocalização enfurecida, suspenderam num limbo musical durante a cover de SadeNo Ordinary Love”. Depois desta ambiência de sonho, a banda finalizou a actuação com uma brutalidade inolvidável, enlouquecendo o público com um medley final que inicia e conclui com “7 Words”, englobando pelo meio “Root” e “Engine nº9”. O resultado foi uma euforia global. Placebo foram a penúltima banda a entrar em palco. O som é maravilhoso e a banda toca de forma exímia, mas Molko e companhia foram parcos na comunicação com a plateia. Iniciaram discretos, elevando gradualmente a ripa emotiva, mas o resultado final foi uma exibição que subverte a qualidade da comunhão que a banda já conseguiu proporcionar em terras lusas. Ao menos, fica a satisfação por não ter assistido novamente ao beijo entre Brian Molko e o baixista Stefan Olsdal.

Para o melhor concerto da noite e certamente um dos melhores do ano festivaleiro nacional, reservo um parágrafo especial. Os Tool são formados por Maynard James Keenan (voz), Adam Jones (guitarra), Justin Chancellor (baixo) e Danny Carey (bateria). Depois do desgaste provocado por seis horas de calor infernal e ataques de mosquitos olisiponenses, os Tool voltaram a pasmar o país de Camões, depois de arrebatarem em 2002 o Ozzfest que se realizou no Restelo. Fenomenais criadores de música transcendental e hábeis na concepção Stop-Motion dos fenomenais videoclips, Tool surgiram numa altura em que o grunge estava a atingir o ponto de ebulição e no horizonte pairava a sombra desse radio-punk-pop rock. Os quatro elementos recusam protagonismo pessoal, escavando os limites da música. Eles reforçaram o estatuto do metal injectando-lhe arte, e evidenciando que este género musical tinha finalmente algo digno para dizer. As teorias de ciências alternativas, a profunda espiritualidade, o assalto sónico, o instigar do pensamento próprio ("think for yourself"), a magnífica técnica, a complexidade musical, os overtones agressivos complementados com uma vocalização superior e perfeita. Eles mostraram que o metal pode ser simultaneamente agressivo, EMOCIONAL e acima de tudo... INTELIGENTE! Quatro ecrãs gigantes foram estrategicamente colocados em palco, além dos dois ecrãs laterais da organização. Um concerto de Tool é uma trancendental (desculpem, mas não existe outra palavra) experiência audiovisual. Enquanto nos concertos anteriores se assistia a filmagens das actuações nos ecrãs laterais, Tool recusam ser filmados proporcionando um portentoso espectáculo cénico. Iniciam ao som de “Stinkfist” e logo aí, muitos dos jovens partidários de Placebo que se encaminhavam para casa estacaram. As ondas sonoras eram de um poder avassalador, de uma magnitude que jamais encontrei ao vivo. E à medida que escutávamos a inigualável perfeição da voz de Keenan e visionávamos o seu vulto envolto numa bruma luminosa, assistíamos nos ecrãs as psicadélicas criações Stop-Motion de Adam Jones e lampejos da arte conceptual do génio visionário de Alex Grey. Os elementos de Tool costumam ser pouco comunicativos e quando nas entrevistas lhes confrontam com questões sobre o significado das letras, revoltam-se entrando em estado de ebulição, porque para estes fenomenais criadores a música deverá ser interpretada, sentida e edificada individualmente. Mas este não era um dia qualquer: Maynard estava animado, comunicativo e a actuação foi sublime. Tudo e todos ficaram arrebatados. Escutavam-se frases como «Se morresse agora, morria feliz», ou «Já não sinto vontade de assistir a outras bandas em concerto... depois disto tudo é mediano», ou ainda «Belisquem-me, será que estive em contacto com Deus nas portas do paraíso?». “Aenema” concluiu de forma soberba o concerto mais hipnótico e avassalador que assisti até hoje. No final, parecíamos um grupo de zombies encaminhando-se lentamente e de forma estupefacta para a saída, assimilando lentamente os sentimentos provocados pela divina fusão de som e imagem. Acreditem, nada disto é fabricação ou intrujice. Investiguem crónicas jornalísticas, sites ou blogs. Um concerto de Tool é uma autêntica experiência de vida. Perto do final Keenan disse: «See you in the Fall». Era bom era… já sinto saudades de flutuar pelos jardins do Éden.

12 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Bem, a tua admiração pelos Tool é palpável mas comunicativos ou ñ os Placebo seriam a única banda capaz de me fazer ir comprar o bilhete (e mesmo assim ñ fizeram, lol)...

11:14 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

uma autêntica jornada musical!

11:53 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Helena: Existem bandas excelentes e depois existem os TOOL. Ainda está para aparecer quem me convença que existe algo superior. :)

Miguel: Não sigas apenas a minha opinião... lê tudo o que encontrares sobre o que eles fizeram e fazem. Talvez necessites de começar pelas músicas certas ou por um concerto. Presenciei in loco algo de verdadeiramente inacreditável: alguns dos presentes desconheciam a banda e não compreendiam como seria possível serem os cabeça de cartaz, mas assim que o concerto de TOOL terminou, vislumbrei esses mesmos indivíduos completamente embasbacados olhando na direcção do palco. Acredita: adoro Radiohead, venero Dave Matthews, mas nada chega aos calcanhares de uma experiência de TOOL ao vivo! Inesquecível!

André: Que maravilha!

Nothingman: Se voltarem, também serei dos primeiros a adquirir o bilhete. Como disse... sinto saudades de flutuar pelos Jardins do Paraíso. A definição que esta banda tem de Arte é inigualável e sublime. São perfeitos!

9:32 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Isto não é conversa de treta, nem eu sou o mais indicado para te aconselhar sobre música. :)
De Radiohead gosto de todos os albuns com as devidas particularidades. Começa pelo mais aclamado: OK Computer.

Se gostares depois falamos. ;)

9:47 da tarde  
Blogger RPM said...

muito bem....

não estive lá, mas aqui o Francisco deu a descrição....

não estaria porque eu sou de outra área de som....mas pelo conjunto assistiria de longe....

um abraço grande e agora é esperar pelo próximo fim-de-semana

abraço

RPM

7:06 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Preciso de férias meu caro.

A anual monotonia laboral está a atingir o limite...

Abraço!

7:23 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Oh se mereço!

Abraço!

9:01 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Foram concertos com as devidas particularidades. Mas o que seria bem mais interessante era um concerto headline... bem mais intimista do que inserido no ambiente festivaleiro, repleto de indivíduos que não conseguem captar a majestade em palco.

Abraço!

3:54 da tarde  
Blogger Zorn John said...

Francisco, partilho do teu comentário sobre Tool. Sobre os outros nem me pronuncio, não porque desgoste, mas porque é como tu dizes: há Tool e há o resto. Na música, na atitude, na mensagem, no conjunto de tudo. Partilho também, em parte, da opinião do el sobre o gig no Ozzfest, mas apenas no aspecto cénico - gostei mais do visual das imagens que então nos trouxeram. Agora esta actuação no SBSR foi simplesmente AVASSALADORA! Ainda estou extasiado, acredita.

Para quem não conhece, experimente Tool. Não se queixem depois de achar o "resto" menos marcante.

Cumprimentos.

1:55 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

É exactamente isso.
Como costumo dizer: no mundo da música existe Tool... o resto é adorno.

2:33 da tarde  
Blogger Loot said...

Já venho atrasado para comentar, mas não poderia deixar de dizer algo sobre a minha banda preferida (curiosamente radiohead também vem logo a seguir). Estive lá no Ozzfest também percebo e vibrei como nunca num concertoe como já todos devem saber o Keenan não mentiu e eles v~em mesmo cá finalmente um concerto fora de cartaz. Já sei que também vais Francisco, vai ser em grande.

Para os que querem ouvir Tool e Radiohead eu digo sempre para ouvirem os álbuns por ordem para entenderem a evolução e o caminho musical que as bandas tem seguido, mas quem não estiver interessado, concordo com o Francisco em radiohead e comecem pelo "OK Computer" e em Tool eu diria o "Aenima" de certeza que vos vão chamar a atenção.

7:10 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Sem dúvida.
A melhor forma de conhecer uma banda é percepcionar a sua evolução temática e sonora desde o primeiro álbum, mas realmente os discos referidos são Obras-Primas absolutas.

7:19 da tarde  

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