sábado, janeiro 06, 2007

Top 10: Filmes 2006

10.
"Jarhead", de Sam Mendes

Jarhead” é um diferente espécime de filme Anti-Guerra, pois é um filme de guerra sem a projecção da mesma. É um drama com pinceladas de absurdo e subtis contornos de comentário pessoal. É um filme sobre perda. Não sobre a destruição da vida física, mas sobre a deterioração numa plataforma anímica. O deslumbrante génio estilístico de Mendes derrama sucessivas imagens arrebatadoras, com um primor plástico avassalador e o que é propositadamente olvidado em velocidade, é profundamente acumulado no seu sentido de propósito. “Jarhead” é um triunfo numa era cinematográfica em que a perniciosa rotina nos habituou a aguardar filmes de guerra estereotipados.


9.
"The Proposition", de John Hillcoat

The Proposition” ilustra uma porção da violenta história australiana, num conto denso de vingança, rancor, lealdade e honra, embrulhado numa dança bruxuleante entre a pura beldade e a ímpia fealdade. Esculpindo os ângulos temáticos do seu segundo argumento com enfermidade, penúria e morte, Nick Cave explora a ambiguidade do abismo entre civilização e selvajaria. “The Proposition” não representa uma boa proposta de visionamento… representa uma indeclinável proposta de contemplamento.


8.
"Brokeback Mountain", de Ang Lee

Brokeback Mountain” estilhaça diversos taboos, apresentando personagens como pessoas autênticas ao invés de causas, num comovente drama de proporções trágicas. Gustavo Santaolalla compõe um tema perfeito e uma trilha sonora admirável, numa daquelas raras composições que enleva plateias, esculpindo emoções na alma. Heath Ledger escava bem fundo na sua personagem, completamente imbuído pela forma como esta se move, fala e respira e à medida que inspira a fragrância da camisa que Jack guardava no roupeiro, suportamos o peso da sua dor numa tortura emocional de traços arrevesados. Ang Lee forjou uma bela história de amor que lida com os trilhos enigmáticos do coração humano.


7.
"Little Miss Sunshine", de Jonathan Dayton e Valerie Faris

Em “Little Miss Sunshine”, o argumentista Michael Arndt e o casal de realizadores Jonathan Dayton e Valerie Faris, projectam um pequeno raio de sol num género cerrado, concebendo um fascinante microcosmo familiar, de um grupo de almas radicalmente individualizadas: os Hoovers. Ao longo do seu rumo, o filme vai acumulando densidade e suas personagens irradiam uma complexidade que é alumiada de forma exímia por um elenco perfeito. Os criadores e elenco de “Little Miss Sunshine” transformam desapontamentos lúgubres em árias de comédia irrepreensível, com várias camadas intelectuais incorporadas. E quando o filme chega ao fim, o resultado é um somatório de sorrisos genuínos e nada de sorrisos amarelos.


6.
"Dare mo shiranai", de Hirokazu Kore-eda

Dare mo shiranai” é um drama devastador, emotivo e envolvente, sobre quatro pequenos anti-heróis que tentam sobreviver num mundo que os expeliu para um canto olvidado. Apesar de se inspirar num caso verídico, o filme resulta num tratado visual sobre a sobrevivência urbana na perspectiva das crianças, numa atarefada e desafogadamente hostil cidade contemporânea. Sem procurar amparo no diálogo fácil, Kore-eda revela as suas personagens, pincelando as suas emoções através de sorrisos, semblantes soturnos e trocas de olhares. As inúmeras e virtuosas escolhas estilísticas definem a sua nobre veia poética e resultam numa profunda experiência visual.


5.
"Brick", de Rian Johnson

Brick” é o filme de estreia do escritor/realizador Rian Johnson. Acompanhar a tradução de arquétipos Noir sob a visão de Johnson é deveras fascinante. “Brick” explora meandros Noir num círculo liceal, desde a clássica brutalidade de confrontos mano-a-mano às fatalidades de amores perdidos. Apelando para uma rede de complexidade auto-irónica, Johnson injecta tensão numa fascinante mutação de cenários, entre o subúrbio americano emocionalmente vazio e um palco moral de proporções amplas. O cinismo Noir é utilizado para dramatizar raiva adolescente e como metáfora para o isolamento pré-adulto, respectiva insegurança e auto-destruição. A sua linguagem pode ser complicada para muitos, mas exacta afirmação pode ser anexada a um bom mistério. “Brick” desafia a inteligência da sua audiência, incitando-a a discorrer conscientemente sobre as conexões dos tijolos que edificam a sua narrativa.


4.
"Babel", de Alejandro González Iñárritu

Esquadrinhando a complexidade do vínculo entre pais e filhos, Iñárritu projecta uma visão global contemporânea, sondando bem fundo no vácuo existencial das suas personagens, para desvendar as múltiplas camadas humanas de tristeza e rancor pela conjuntura da sociedade mundial. Existe uma inaptidão universal na correspondência entre maridos, esposas e respectivos filhos. E quando as palavras não embalam a alma, o corpo torna-se uma arma, um convite à exterminação progressiva. “Babel” é uma jornada de montagem virtuosa, onde Iñárritu expressa a sua crença no poder ilimitado do meio cinematográfico, explanando a sua fé no Cinema como Linguagem Universal. Com uma convicção inabalável no intelecto e sensibilidade do seu público, ele prova que um filme de montagem é também um filme a ser decifrado nas remontagens que a mente interpretante do espectador articula. “Babel” emana um poder silencioso que se fará sentir veementemente no encetar das ruminações intelectuais e espirituais.


3.
"A History of Violence", de David Cronenberg

Flutuando a narrativa numa linha esbatida entre o sonho e a realidade, David Cronenberg oferta um ensaio com implicações dramáticas sobre a natureza humana. É uma história sobre identidade e família, uma análise do papel da violência na sociedade. Existirá algum realizador tão obcecado na transformação/transgressão do corpo e mente? No início, o realizador canadiano ministrava as suas obras com um horror assente num nível visceral, pescando as entranhas do nosso pavor com um anzol celular. Contudo, a sua filmografia recente confirma uma determinada exteriorização desse horror. Orquestrando a violência irrepreensivelmente, Cronenberg demonstra-nos em “A History of Violence” como adoramos secretamente aquilo que condenámos publicamente, quebrando ilusões de norma social, numa pujante exposição da violência passando de geração em geração, como sombra da Humanidade.


2.
"Lady in the Water", de M. Night Shyamalan

M. Night Shyamalan é um cineasta com desígnios claros. É um autor que arrisca tudo em prol dos seus ensaios conceptuais. Apesar de sentir na pele o ódio da crítica, não se refugia na compilação de fórmulas exaustivamente lavradas e arrojadamente cria magia numa era de cinismo céptico. As suas imagens nascem da melancolia hodierna, de um pesar pela descrença ecuménica no poder da Imagem. Em “Lady in the Water”, Shyamalan esquadrinha como poucos o elemento fantástico, desconstruindo-o como algo aparentemente incorpóreo, contextualizando-o em ambiências trivialmente realísticas e revelando o inexprimível no perceptível. Para tal ensaio, muito contribui a fotografia surrealista de Christopher Doyle, escavando níveis subconscientes através do enquadramento de um plano arrebatador. Esplendoroso!


1.
"The New World", de Terrence Malick

Olhares tácitos, toques proibidos e os murmúrios da Mãe-Natureza repercutidos em cada frame de “The New World”, espelham uma urgência pungente, anunciando temas de descoberta e perda através da simbiose perfeita entre sonoridade térrea e imaginário bucólico. Na maioria dos filmes, basta uma breve sinopse ou uma referência a uma obra idêntica para aflorar a experiência que nos aguarda, mas “The New World” não é um filme qualquer… é um meio de transporte. Terrence Malick é um Poeta Idílico. É um transcendentalista insanável, proprietário de uma patologia pela qual inúmeros cineastas amariam padecer. Ele desafia audiências em experiências que ultra-dimensionam a mera superficialidade fílmica. Ele denota preocupação com temas que visam a transição terrena do homem, a corrupção da inocência, a expulsão do Paraíso e a violência destrutiva que contamina o ser humano. Todas as excelsas manifestações de Arte representam um festim para os sentidos e Malick atinge o coração nas exactas proporções com que acerca o olho e a mente. “The New World” não demanda ser percebido… necessita de ser sentido.

20 Comments:

Blogger Francisco Mendes said...

Ora nem mais. Estas listas revestem-se sempre com um incontornável cariz pessoal.

Bom fim-de-semana.

11:39 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Metade da lista ainda não vi, da outra metade concordo com menos de metade :P
É tão giro quando as opiniões divergem! eheheh

Abraço

12:01 da tarde  
Blogger C. said...

“The New World” não demanda ser percebido… necessita de ser sentido.

Ora nem mais, caro Francisco. Foi a experiência mais forte que tive, a nível sensorial e emocional, este ano, no cinema :)

3:07 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

boas escolhas, vejo que escolheste tb The Proposition e o the Brick, apesar que pouco populares, merecem ser lembrados...

3:36 da tarde  
Blogger Bárbara Novo said...

Duas novidades na miríade de listas dos melhores de 2006 que tenho visto nas últimas semanas: Lady in the Water e Jarhead! Acho que ainda não tinham aparecido.. Refrescante ;) Mas infelizmente ainda não tive oportunidade de ver nenhum deles.. mas é bom ver alguém a defender o Lady in the Water, para variar... Ainda tenho esperança no filme de Shyamalan, que nunca me desiludiu, pelo menos até à data... :)

Cumprimentos,
LeStrange, no Wordpress

11:49 da tarde  
Blogger Loot said...

Só vi 5 dos filmes da lista, o new world, o brick, o brokeback mountain, o little miss sunshine e o history of violence. Se chegar a fazer uma lista penso que esses 5 tb entram na minha, mas queria ter opurtunidade de evr mais alguns antes de a fazer.
O new world tb seria a minha escolha para 1 é sublime.

12:42 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

5 filmes em comum em 10 com o meu top. Nada mau, num ano que até nos trouxe grandes filmes, e muita coisa por onde escolher, mas onde alguns se destacaram particularmente. Seja como for, é mais uma celebração do cinema, inevitável nesta altura do ano, onde se recordam os filmes que, de uma forma ou de outra, nos marcaram profundamente. Nada mais pessoal do que isto, portanto.

12:15 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Como leitora do teu espaço, já adivinhava alguns dos integrantes deste top, mas confesso-me surpreendida pelo primeiro lugar... E que boa surpresa!Confesso que pensava que ia ser o Cronenberg... Mas O Novo Mundo, que filme... que poema... que viagem, sim!

Aproveito também para notar as belíssimas imagens que escolheste para acompanhar o top.
Que 2007 traga muitos mais muito bons (filmes) :)

12:23 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Edgar: Agora recordaste-me o discurso do aniversário de Bilbo Baggins. :)
Abraço!

Wasted Blues: Não é consensual, mas arrebata de forma indelével aqueles que ficam imersos no seu poder.

membio: Oh se merecem... São bons, muito bons.

Bárbara Novo: "Lady in the Water" aparece em algumas (poucas) listas, mas "Jarhead" é um título ignorado por quase todas. Não tenho qualquer problema em defender ambos, pois a sua qualidade é inquestionável sob a minha contemplação.

Cumprimentos. :)

looT: Que bom ver-te no clube dos apaixonados pela nova obra de Malick.

Paulo: Acabaste de acrescentar uma maravilhosa definição para estas listas: «...celebração do cinema...». Nem mais Paulo, nem mais!

Helena: Quanto a 2007... o feeling é bom, muito bom (Wong Kar-wai, Park Chan-wook, Aronofsky, P.T. Anderson, etc...).
Espero não sair defraudado.

8:48 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Infelizmente só vi o Jarhead da tua lista francisco!

Vou aproveitar a promoção de 5 filmes 5 euros da blockbuster para alugar grande parte dos da tua lista.

Estou bastante optimista em relação do filme de Cronenberg!

E sim, cada lista de tops assume um incontornável cariz pessoal. Se toda a gente gostasse das mesmas obras e não houvesse divergências argumentativas, o Cinema simplesmente deixava de ser Arte! :)

Um grande abraço Francisco!

1:33 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Jarhead não me ignorado. É até dos poucos que concordo :D

9:17 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

André Carita: Quanto ao filme do Cronenberg, creio que tuas expectativas serão altamente recompensadas.

Abraço!

Edgar: Nesse caso, pertencemos a um grupo restrito... ;)

9:15 da manhã  
Blogger Miguel Galrinho said...

Interessantes, os primeiros dois filmes (sem tirar, obviamente, mérito ao resto do top; estou apenas a destacar o que mais me chamou a atenção), porque são dos filmes mais controversos que o ano teve. O primeiro desapontou-me, o segundo adorei. Mas não é essa a questão: o fundamental é que é precisamente a presença de filmes como esses que dão ainda maior personalidade e valor pessoal aos tops. E haverá filme mais pessoal que Lady in the Water?

Em jeito de conclusão, e por ter referido o filme de Shyamalan, lembro-me de uma fabulosa frase que li recentemente: "M. Night Shyamalan será o primeiro cineasta a falar-nos de um mundo sem morte, ou é o último a usar o cinema como elixir da longa vida?" - João Bénard da Costa

Bom ano 2007!

10:47 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

É a magia desta Arte, a multiplicidade e diversidade de fascínios que acarreta.

Próspero 2007, Miguel!

11:37 da manhã  
Blogger Flávio said...

Como os gostos variam! Não há dois tops de filmes que sejam iguais.

2:08 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

É exactamente este pormenor que torna estes tops interessantes.

11:50 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Em relação à tua lista tenho 5 em comum contigo, obviamente em posições diferentes, mas depois convido-te a visitar o meu blog e a comentar. Por enquanto ainda não a coloquei lá.

Em relação ao SHyamalan, obviamente é para mim também um intocável. Ninguém pode negar, mesmo que não goste, que o homeme sabe o que é cinema. Um dos poucos que ainda sabe.

É também com agrado que vejo o "Ninguém Sabe" na tua lista. Não foram muitos os que o viram mas os que o viram, não o conseguem ignorar. Adorei. Um dos grandes do ano.

Por mim não discordo de nenhum dos outros que eu não assinalei na minha lista. Todos tinham o seu valor.

Só acho que faz aí falta o Match Point" e o "Borat" que parece, sou o único que irei colocar numa lista. Eu sei que aquilo não é cinema, e é odiado por todos, principalmente os críticos de cinema, mas foi mesmo o meu guilty pleasure do ano.

Abraço Francisco.

11:54 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Fico então a aguardar a tua lista.

Abraço!

9:11 da manhã  
Blogger Pedro_Ginja said...

Ok, a lista já lá está. Se quiseres dar uma vista de olhos, tás a vontade.

Abraço

1:40 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Combinado.

Abraço!

2:53 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home

Site Meter