Class.: Cinema Red BullCinco anos após Doug Liman ter introduzido ao mundo da Sétima Arte o assassino que sofre de amnésia Jason Bourne, Paul Greengrass remata de forma absolutamente perfeita a trilogia inspirada no
bestseller de Robert Ludlum. A seguir à conclusão de “
The Bourne Supremacy”, Greengrass fez um
interregno para dirigir o simplesmente soberbo “
United 93”. A crueza pura e dura imprimida no retrato dos malogrados eventos promoveu finalmente uma aclamação quase unânime do seu trabalho artístico. Mas tal como a bebida estimulante que menciono no cabeçalho deste comentário, o travo que este cineasta deixa no palato cinéfilo de alguns é extremamente ácido, estranho e enjoativo. Toda a ansiedade que escorre da projecção de
Ultimatum, fervilhando de forma alarmante nas nossas próprias veias, é inteiramente necessária. As explosões de energia que se propagam ao longo do filme reflectem a premência de Bourne, uma personagem que persegue pelas artérias urbanas internacionais a sua própria Identidade. Poucos filmes combinam uma atmosfera tão densa quanto excitante e contam-se pelos dedos de uma mão as sagas cinematográficas que chegam ao seu epílogo com o vigor intacto e seus propósitos afinados. “
The Bourne Ultimatum” triunfa no altear dos desafios da trilogia, no frenesim de uma acção praticamente irrespirável, no desenvolvimento das personagens anteriormente exploradas e na introdução de novos vilões. É uma jornada cinética que respeita a inteligência da audiência graças ao seu argumento escorreito, ao seu corajoso compasso moral, à impecabilidade das suas interpretações e à excitação proporcionada pelo espectacular trabalho de duplos. O desempenho de Matt Damon na pele de Jason Bourne é nada menos que magnético, conciliando instintos assassinos com um sentido tangível de decência. Perpassa pelos contornos do seu rosto uma inocência trágica que combina na perfeição com a urgência estóica do seu olhar.
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The Bourne Ultimatum” é o exemplar filme de acção, com uma alma tão genuína que não se deixa pixelizar. Conclusão de uma saga que alberga um profundo subtexto, irrigado em elementos metafóricos como a água que abre e conclui a trilogia, num relance meditativo sobre a possibilidade de redenção e renascimento. A câmara de Greengrass gera uma sensação de movimento perpétuo tão fluido quanto as acções de Bourne, elevando incomensuravelmente os níveis de adrenalina e realçando com sua estética peculiar os nervos da estrutura temática da sua obra e respectiva colisão de filosofias sobre a venda da segurança mediante a remuneração da liberdade de individualidades que gravitam em cenários contemporâneos de totalitarismo. Esta Arte de filmagem reflecte a tensão e os níveis de consciência que imergem a personagem em questão, colocando o sujeito expectante numa equivalência de estado mental que tenta sorver o máximo das torrentes de informação visual que Jason Bourne tenta fundir para alcançar um nexo definitivo. Nesta dinâmica refinada de acção com gravidade, trajectória, sentido de história e personagem, existe ainda lugar para consciência política e para uma invulgar introspecção humana. É um conto emocionalmente honesto sobre o regresso a casa do soldado do século XXI, com repercussões transcendentais numa era em que anciãos do poder global apunhalam idealismos da juventude, enviando seus pupilos para guerras que não podem vencer. Camuflada sob a roupagem de filme de Acção, esta obra resulta de forma sublime como exploração das consequências que o nosso mundo enfrenta, quando a liberdade individual é cada vez mais considerada um privilégio em vez de um Direito Humano fundamental.