Class.: Ode ao Amor EternoDarren Aronofsky é um caso de Amor ou Ódio, pois trata-se de um cineasta que se colocou radicalmente aparte do ninho do Cinema convencional, edificando
mantras audiovisuais que resultam em jornadas de uma elevada qualidade subjectiva. Redimensionando o uso de efeitos visuais, gráficos e sonoros, o Cinema de Aronofsky alcança originalidade estilística em experiências ultra-sensoriais que originam desdobramentos da consciência. As convulsões que marcaram a pré-produção de “
The Fountain” revelam os desafios que aguardam realizadores independentes quando enfrentam as normas dos grandes estúdios. As pressões poderão atingir proporções abismais e o equilíbrio entre intensidade e integridade é colocado à prova por imperativos comerciais. Mas inserido num panorama contemporâneo que submerge filmes de grande escala num asfixiante sistema de clichés, “
The Fountain” triunfa como Obra visionária, intelectual, espiritual e emotiva, proporcionando uma ascensão desta plataforma mundana para um zénite de deslumbramento.
Pincelando “
The Fountain” com uma extasiante, profunda e hipnótica beleza lírica, Aronofsky narra três histórias paralelas envolvendo o Amor e a Devoção a uma mulher, por uma causa: descobrir a forma de a manter viva. Destemido na forma como endereça temas amplos, o cineasta revela intelectualidade na disposição dos elementos que ofertam respostas, e sensibilidade no trilho da jornada emocional das suas personagens. Ancorado numa tangível realidade emotiva, sua Ficção Científica fica estruturada além de conceitos tecnológicos, alinhavando igualmente áreas conceptuais e ideológicas. Aronofsky emana paixão pela textura. A fotografia de Matthew Libatique é rica em complexidade e minúcia, alternando entre períodos temporais de forma fluida na acumulação de informação. A composição etérea de Clint Mansell ostenta a tribulação, a angústia, o medo, o padecimento, a esperança e o forte amor que enlaça as personagens. Elevando progressivamente o tempo do acontecimento sonoro, gera-se uma sensação de fervor e tensão que anunciam a proximidade do clímax. Tal como Sergio Leone com Ennio Morricone ou David Lynch com Angelo Badalamenti, Aronofsky e Mansell solidificaram um relacionamento que excede meros conceitos de fusão audiovisual.
Tão profundamente sentido como imaginado, “
The Fountain” representa uma meditação metafísica. Uma procissão de fé, conduzida pelo Amor como combustão de uma ânsia por Eternidade. A fausta composição imagética de Aronofsky chispa fascínio assente num princípio de Luminosidade. A escuridão do Passado é dissipada pela alvura das cenas entre a Rainha e o Conquistador, vaticinando com esperança o banho de luz que nos reserva o Futuro. Futuro esse, que nos coloca no Berço das Estrelas, esse ninho familiar que o cineasta foi guarnecendo ao longo do filme, derramando
Estrelas sob a forma de candeias suspensas na sala do trono da Rainha, pontilhando os aposentos dos soldados sob a forma de velas, cintilando nos brincos e pérolas do vestido da Rainha, aureolando as minúsculas lâmpadas do laboratório e até reluzindo nas lágrimas. Todos os elementos presentes no plano criam formas geométricas que orientam o olhar para um ponto nevrálgico. Nesta Obra de Arte flutuam símbolos e justaposições figurativas de um enigma que pretende agitar o pensamento e acordar o espírito. Quando no segmento do futuro se vislumbram tatuagens nos braços do explorador, apercebemo-nos que os traçados evocam os anéis que se encontram no interior da árvore que transporta na bolha. São inúmeros momentos de simbiose como este, que arrepiam a alma ao longo de “
The Fountain”. Ao manter o filme insularmente intimista, Aronofsky roga por explorações individuais das emoções universais. Existe sempre um grande plano da gloriosa expressividade do rosto humano ao lado de objectos de incomensurável escala, equilibrando as abstracções surreais com o crucial significado dramático da humanidade em questão.
Na épica formação imagética de “
The Fountain” existe sempre a lembrança de um objecto singelo, repleto de significado: a Aliança. Esse círculo sem princípio ou fim. Esse símbolo de Eternidade que une de forma emblemática dois amantes, proclamando que nem a vida nem a morte fazem sentido sem Amor. Amor… palavra que nunca é pronunciada, porque acima de tudo, se trata de um sentimento transcendental. O Amor compensa a fragilidade da alma humana perante a solidão ancestral de cada um. Quando o Amor invade o espírito, nossos recônditos aclaram, arejam, e as dores armazenadas fogem diante do calor desconhecido. Contudo, essas dores regressam ao seu domicílio. Amor também acarreta desespero. Desespero que se torna Alegria por cada momento em que dois amados se tocam. Desespero que beira a janela do nosso pensamento, pois a morte da cara-metade transporta sofrimento directamente proporcional ao Amor que sentimos por esse alguém. O risco de amar é a separação. Mergulhar numa relação pressupõe a possibilidade de perda, pois a tragicidade do Amor reside na constatação da Morte como experiência do limite físico da existência. O espírito sonha com um plano de permanência e contemplação, mas como lidar com a Morte? Representará mesmo o fim? Esquadrinhar respostas para sossegar o âmago, apenas trará mais tribulações. Mas Aronofsky busca a Eternidade. Propõe que nos libertemos do corpo para nos ocuparmos da Alma, deixando morrer solicitações do pensamento terreno. Se buscamos o conhecimento puro, o infinito, a imensidade, não deveríamos examinar a realidade com a Alma? Deveríamos transpor ciclicamente da esfera do inteligível para a esfera do sensível. Este sentido de transcendência representa o decifrar do conceito Platónico, do Amor como princípio metafísico que sustenta nossa existência, levando-nos a vencer a angústia da Morte e a compreender o sentido da Vida.
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The Fountain” é um Poema divinamente existencialista, imerso em conjunturas meditativas e contemplativas. Seu sistema de signos articula-se para compor um discurso. Não é fundamental desvendar todas as suas verdades camufladas, mas absorver o máximo da expedição que nos imerge pelos níveis da subconsciência (princípio de qualquer contemplação artística). “
The Fountain” é Romance como Revelação e Ficção Científica como Oração. Seu conteúdo é imortal. Mesmo quando os violinos gemem e gritam estridentes num final arrebatadoramente orgásmico, sente-se a pulsação de uma Obra Transcendental que sobreviverá para além de uma sala de Cinema, alojando-se no âmago de quem sorver toda a sua excelência. Darren Aronofsky entoa
mantras que abrem o coração, fazendo o Amor florescer. E se o Amor não conseguir vencer as dolorosas adversidades deste mundo, pelo menos poderá transcendê-las.