"Sympathy for Lady Vengeance", de Park Chan-wook
A textura da vingança
O talento de Park com os actores envolvidos nos seus projectos volta a ser asseverado. Lee Yeong-ae (Geum-ja) imprime fervor numa personagem tatuada com lancinantes estigmas emocionais. Apesar da veemente demanda vingativa que lhe eclipsa gradualmente a alma, Lee ainda exibe um coração sensível. Um facto interessante é a simetria plácida da sua face oval, assemelhá-la a uma Madonna misericordiosa. Quem escoltou a trilogia desde a sua génesis, será arrebatado pela sua conclusão, assimilando alguns gags e sendo brindado com alguns cameos. Quem tiver neste último capítulo o seu primeiro contacto com Park Chan-wook, bem… preparem o espírito para saírem da sala de cinema completamente atordoados pelo espectáculo cinemático de um cineasta que pasma a um nível sublime de excelência.
A fotografia divina pertence a Jeong Jeong-hun, numa criação sedutora que assombra e encanta em idênticas proporções. Os temas são apresentados em simbólicos brancos imaculados, vibrantes vermelhos e tenebrosos pretos. Atentem novamente a excelência da sensibilidade cinematográfica de Park Chan-wook. Deliberadamente confecciona a película com especial destaque para um trio de cores emblemáticas: Vermelho representando a ferocidade sanguinolenta da vingança, Branco simbolizando a pureza cândida e Preto caracterizando o negrume dos espíritos abominados. O arranque do filme ostenta um dos mais primorosos créditos iniciais de sempre, numa maravilhosa sequência de vermelhos intercalados com brancos e negros, lampejando simbolicamente motivos do filme. Quando Geum-ja é libertada, um grupo de pessoas trajando o vermelho e branco do fato de Pai Natal acolhe o seu regresso à sociedade. O líder do grupo oferece-lhe um prato de Tofu branco, representando o expurgar das impurezas e a urgência da limpeza espiritual, todavia Geum-ja esborracha literalmente o caminho para a redenção. O intenso vermelho da violência é deslumbrantemente substituído pelo alvor da neve branca espalhada em redor de almas flageladas. O traje de Geum-ja é igualmente emblemático. A textura do conjunto funciona como uma armadura, tornando-a soberana na sua demanda, infligindo terror em quem se intrometer na sua causa. A magnífica maquilhagem – com especial realce para a sombra dos olhos – coroa o seu uniforme de guerra e a indumentária salienta ainda o seu cariz de femme fatale (saltos altos vermelhos) e a profundidade dos seus pecados (tecido preto).
O filme amotina numa plataforma sensitiva, com o firme estilo de Park a controlar o espaço e o tempo, num sentido narrativo bem apurado. O seu fetiche por armas, lâminas e… bolos, domina massivamente a sedutora arena visual. Park Chan-wook acredita piamente que a vingança é um prato que deverá ser servido bem frio e tal como o sushi, muito bem condimentado. Ao som de Vivaldi, ministra uma excursão pelas conspurcadas artérias do coração vingativo, numa característica amálgama de admirável humor negro, horror impiedoso e fantasias surreais. Park manipula a composição e o movimento magistralmente, edificando paulatinamente a narrativa, tornando-a eloquente a um nível bem profundo. Utiliza efeitos especiais sem o objectivo de criar monstros, mas com o intuito perspicaz de gerar espaço e escavar bem fundo nas suas imagens. Mesmo quando julgamos que já expirou todos os truques graças à atmosfera de antecipação, Park surpreende com a astúcia das suas manobras, capturando imagens poderosas e invocando emoções ainda mais fortes.
“Sympathy for Lady Vengeance” é um pesadelo emprenhado com uma polpa alimentícia, sem o pavor imediato de “OldBoy”, mas assente numa tensão construtiva que nos preside para uma excelsa conclusão. Chegados ao destino ambíguo, enfrentaremos o poder de uma imagem devastadora e sentimentos de inquietação mesclados com deslumbramento, provocarão um alvoroço espiritual que guarnecerá a essência de uma elevada fracção da plateia durante dias.