domingo, fevereiro 05, 2006

"Munich", de Steven Spielberg

Class.:



Orar com sangue hollywoodesco

Se o recente “War of the Worlds” pode ser considerado uma alegoria de Spielberg ao 11 de Setembro e “The Terminal” a sua visão pós-11 de Setembro, então “Munich” poderá ser encarado como a sua decomposição de ocorrências pré-11 de Setembro e respectivas consequências.
Em 1972, um grupo extremista palestiniano (Setembro Negro), assassinou 11 atletas israelitas durante as Olimpíadas de Munique. Spielberg ensaia retratar a resposta de Israel ao assassinato dos seus filhos. “Munich” lida com ambiguidades, calcorreando áreas acinzentadas em detrimento do elementar preto e branco, recusando enaltecer uma fracção ou demonizar a outra. O seu intuito é analisar o conflito Israelo-Palestiniano e o seu ciclo de violência, retribuição e terrorismo. Spielberg emaranha-se num território denso e complicado, mesmo para um realizador talentoso. Muitos etiquetavam “Munich” como o filme mais arrojado de Spielberg, mas basta ligar a televisão no noticiário, escutar a radiofonia ou ler as páginas de um tablóide, para enxergar que discutir tácticas de retaliação de uma nação já não é um acto corajoso… é algo habitual, é puro mainstream.

O prelúdio de Spielberg é criativamente irrepreensível. Numa edição de mestre, Michael Kahn recria os infernais eventos sofridos pelos atletas israelitas, através de um confuso e frenético turbilhão de informações que geraram pânico, choque, raiva, horror e incredulidade. Janusz Kaminski cria um estilo visual com reminiscências da década de 70, privilegiando uma fotografia esfumada em cinza com rápidos zooms. Para as pessoas que testemunharam o acontecimento, esta engenhosa sequência reavivará o impacto chocante. Para os mais jovens, este prólogo apreende de forma vigorosa a sua atenção.



Steven Spielberg anunciou uma pausa após a conclusão deste filme. Trata-se de uma decisão bastante sensata de um cineasta genial que se encontra à deriva e acentuada decadência, necessitando de reagrupar ideias. Em tempos delineou as suas manipulações afincadas com o singular objectivo de nos fazer saltar dos assentos, chorar, rir e embasbacar com genuínos encantos. Os resultados eram sublimes e despojados de pretensão, mas em meados da década de 80, o realizador judeu começou a sua perseguição pela estatueta dourada, tentando confeccionar filmes com maior grau de seriedade. Os factos actuais evidenciam um director que ainda não repudiou a sua forte componente de Cineasta-Pipoca, apesar de almejar incessantemente o respeito intelectual que se ajustava aos seus ídolos: Kubrick, Hitchcock, Welles ou Kurosawa.

“Munich” esmorece cabalmente nos momentos em que a impetuosa tensão é substituída por uma dramatização desfeada, de forma bastante incongruente e através de tons quase apologéticos. Revela-se um thriller competente e a tendência de Spielberg para o entretenimento comercial cria missões abalizadas, mas as intrigas tornam-se redundantes. Isto é tipicamente hollywoodesco. Os seus instintos de Mestre da Pipoca emergem de forma inoportuna.

Eric Bana (Avner) representa de forma intensa o declínio espiritual da sua personagem numa medonha espiral neurótica e paranóica. Condimenta autoridade silenciosa com vulnerabilidade apoquentada, todavia, a sua personagem encontra-se num fermentado desvario, que lhe impede de cimentar um centro de afinidade, tendo em conta a delongada duração do filme. Habilmente, o argumento (inspirado no livro “Vengeance” de George Jonas) de Tony Kushner (“Angels in America”) e Eric Roth (“Forrest Gump”), oferta belos papéis secundários, com destaque para o desempenho particularmente interessante de Daniel Craig (o futuro Bond) como colega de Avner, para a cirúrgica interpretação de Geoffrey Rush (Ephraim) e para a excelência de Michael Lonsdale (Papa).



É lamentável verificar o desperdício do empenho de tanto engenho, asseverado pelas participações do compositor John Williams, do editor Michael Kahn, do oscarizado Eric Roth e do vencedor de um Pulitzer Tony Kushner. Mesmo com a tentativa de Kaminski em acinzentar o filme numa tonalidade adulta, todo o talento é esbanjado pela irritante e infantil petulância de Spielberg em privilegiar filosofias coreografadas com entretenimento artificioso à medida que despeja bombas calibradas em Dolby Digital.

Tecnicamente o filme recebe o aprimorado adorno de Spielberg (apesar da presença de pelo menos duas das mais patéticas cenas da sua filmografia), mas tendo em conta ser inspirado em factos reais, as cenas que retratam os assassinatos são excessivamente coreografadas e a história da Mossad (polícia secreta israelita) não vibra de forma tão autêntica como no filme “Les Patriotes” de Eric Rochant. Spielberg conhece obviamente esta película, pois até ofereceu um pequeno papel a Yvan Attal (que protagoniza o filme de 1994). O cineasta executa “Munich” com o intuito de aflorar um tema premente (terrorismo), mas graças a tamanha complexidade fica sem a noção do que deseja realizar: se um thriller político provocante ou um drama global inquietante. Quando Spielberg se apercebe da enormidade do debate que pretende instigar, as suas soluções tornam-se frívolas, disparando em direcções que falham categoricamente o alvo. Ao recusar decidir o rumo do filme, Spielberg produz um filme tecnicamente algo proveitoso, mas uma refractária frustração intelectual.

“Munich” torna-se ruminante e Spielberg não sabe como acabá-lo, ofertando cinco ou seis finais exequíveis, com uma forte dose de exaustão. Na tentativa de tornar a história relevante no panorama sócio-político actual, termina o filme de forma distraída e óbvia, ao estilo de um reles postal, tomando a assistência por mentecapta e inserindo a martelo uma imagem que pisca o olho a audiências americanas em particular, salientando que quando manipula fábulas consegue maravilhas, mas quando lida com a realidade tropeça de forma retumbante.

15 Comments:

Blogger Carlos M. Reis said...

Epah não me digas isto Francisco. Vou ter desilusão Spielberguiana pela segunda vez consequtiva?

Arghhh.

Um abraço.

10:43 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Knoxville: O filme divide opiniões e muita gente gostou, como podes constatar.

Abraço!

André Batista: Antes fosse... antes fosse...
Cumprimentos.

Mário Lopes: Ainda bem Mário. Quanto a mim, perdi 3 horas da minha vida a assistir a uma decadência de realizador. Ainda bem que vai fazer uma pausa.
Abraço!

6:59 da tarde  
Blogger Coutinho77 said...

Não quis ler porque não sei se tens spoilers :D
Mas só 2 estrelinhas? Estou como diz o Knoxville.. não me digas que me vou desapontar...
Abraço!

7:00 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Não contém spoilers... seria fácil de mais para mim expressar o quão patéticas são certas cenas.

Pode ser que gostes, muitos gostaram.

Abraço!

7:02 da tarde  
Blogger MPB said...

Francisco, eu assino por baixo. A desilusão foi muita e ate quem sabe tente ver a 2ª vez para ter a certeza que nao me enganei na sala.
O pensamento no publico, anda a tramar o jovem spielberg....

cumps

7:43 da tarde  
Blogger Ricardo said...

Eu vou vê-lo para a semana mas agora fiquei apreensivo como o Knoxville, para desilusões já bastou o WOW...

8:32 da tarde  
Blogger Pedro_Ginja said...

2 estrelas???
Não é o melhor Spielberg, isso é mais que óbvio.

Agora daá a dizer que é um filme ridículo e uma profunda desilusão é outra coisa.

Para mim é negro como SPielberg nunca foi, violento e crú como também nunca foi.
Agora decadente nunca. Talvez um pouco díficil de assistir para mentes mais impresionáveis e disso sinceramente não estava à espera.

A surpresa apanhou-me pela positiva. E o facto de não escolher uma ou outro lado da barricada também é um ponto a favor.
Ainda tenho outras críticas para fazer mas em breve (se calhar para a semana) estará no blog.

Gostaste mais do ultímo Harry Potter (deste 4 estrelas?)

Gostos, gostos...

Abraço

10:30 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

NeTo: Uma autêntica chafurdice! É pegar num tema premente e tratá-lo como um episódio de "Missão Impossível".
Cumprimentos.

Ricardo: Repito: pode ser que gostes... pelo menos ouve quem gostasse.

Lost in Space: O Cinema não é uma ciência exacta... toca-nos supra-pessoalmente. O que para um é bom, para outro pode ser mau... o segredo é sustentar tudo o que afirmamos e respeitarmo-nos.
Muito obrigado!

Pedro Ginja: Por amor dos deuses do Cinema, não voltes a misturar alhos com bugalhos: "Harry Potter", nada tem a ver com o género de "Munich". E se não entendes o que digo, volta a reler o que escrevi, pois sustentei devidamente os sentimentos que ambos me transmitiram.

Não irei ser explícito ao ponto de te enumerar cena a cena, como já o fiz em diálogos com outros colegas... pois não divulgarei spoilers, nem perderei mais uma linha com um filme que me fez desperdiçar quase três horas de vida. Não é só decadente... é ridículo, patético e irrisório! Nem quero voltar a ouvir falar deste filme nos próximos tempos!

Respeito imenso a tua opinião e da mesma forma, peço respeito pela minha. Sinto-me triste e revoltado pela debilidade e hipocrisia de um dos cineastas que em tempos me mostrou o quão bela é a Sétima Arte!

Abraço!

1:34 da tarde  
Blogger Pedro_Ginja said...

Mas respeito pela tua opinião nunca faltou...
Nem pela de ninguém.
Apenas demonstrei não concordar com a opinião.

Tanto que continuo a passar por aqui praticamente todos os dias.

A crítica está bem fundamentada não precisa de explicações.
Fiquei elucidado, apenas não concordo.

Graças a Deus que nem todos gostamos do mesmo senão este mundo seria uma grande seca.

Por exemplo o meu favorito de Spielberg ainda continua a ser o "Apanha-me se Puderes", quando quase ninguém diz o mesmo.
E Porque? Não sei. Tocou-me...Os gostos estão sempre relacionados com a nossa vivência. E são intrasmissíveis.
Porque é que o "Eternal Sunshine of the Spotless Mind" é o filme da minha vida. Porque é a minha vida, além de ter o mais belo título de cinema de sempre...

E não há nada que goste mais do que ver opiniões diferentes da minha. Enriquece-me como ser humano.

Como sempre um grande abraço.

6:52 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

«Os gostos estão sempre relacionados com a nossa vivência. E são intrasmissíveis.»

Brilhantes palavras, numa bela intervenção.

Grande Abraço, caro Pedro.

6:59 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Respeito imenso a tua opinião. Da mesma forma que entendem os meus pontos de vista, também entendo as sensações que uma obra poderá suscitar na alma de outrém. Ainda bem que gostaste de "Munich", também gostaria de ter ficado tão satisfeito como tu... mas não fiquei.

1:25 da tarde  
Blogger Mari said...

Não gosto de filmes de guerra, de terrorismo, nada do gênero. Pra mim basta à dura realidade. Pra vocês terem uma idéia, não vi, nem pretendo ver, “Schindler's List” ou “Saving Private Ryan”.

Sou, porém admiradora de Eric Bana, e quando ele foi escolhido por Spielberg fiquei em êxtase! E “Munich” é a pra mim a história de Avner. E isso me tocou e marcou de forma que não consegui me desvencilhar, então confesso que todo o resto não teve importância. :(

3:44 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Apesar da tua aversão a filmes do género, aconselho-te vivamente "Schindler's List".

10:08 da manhã  
Blogger Mari said...

Sei que é uma obra prima, Francisco, mas não tenho coragem. Muito real demais, muito triste tudo o que aconteceu... Não tenho coragem... pelo menos não ainda... :(

6:47 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Compreendo.

9:31 da manhã  

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