sábado, março 03, 2007

Andrey filma Andrey


Fotograma de “Andrey Rublyov

Andrey Rublyov” poderá ser interpretado como uma alegoria às batalhas pessoais de Andrey Tarkovsky enquanto artista. Num dos mais emblemáticos segmentos do filme, a angústia provocada pela realidade maléfica e opressora de uma Rússia medieval, leva o monge e pintor de ícones ao isolamento (através de um voto de silêncio e desistência da pintura). Até que encontra o adolescente Boriska, filho de um fabricante de sinos morto pela peste, que clama ter herdado a faculdade paterna quando se vê incumbido de engendrar um sino para um monarca, sob a ameaça de decapitação caso o objecto não badale. Boriska entrega-se com toda a paixão ao trabalho e, quando o sino ecoa, confessa, entre histeria e lágrimas, que havia mentido ao revelar que conhecia os segredos do pai. Sua obra não nascera do conhecimento, mas da fé. Nesse momento, movido pela experiência, Andrey Rublyov convida Boriska a acompanhá-lo até ao Mosteiro, onde, enquanto regressaria à pintura, seu amigo dedicar-se-ia à construção de sinos. Os dois homens abraçam-se, perto do local onde a cena da crucificação do segundo episódio foi filmada, mas neste instante a cruz é substituída pelo sino, representativo da ressurreição de Andrey. Lentamente, a imagem a preto e branco dissolve-se nos fragmentos coloridos dos frescos de Andrey Rublyov, e desta forma, directamente das cinzas, ascende uma imagem poética. É neste formato de metáfora harmoniosa que Tarkovsky subverte categorias narrativas, esculpindo estruturas misteriosas que no limite nos revelam a Arte como montagem de ideias, sentimentos e memórias incompletas. Cabe à nossa convicção, à nossa fé, fundir os fragmentos disseminados.

6 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Li pouco do teu texto para não arruinar ainda mais a minha 1ª vez com este filme (temi que contásses coisas relevantes!)... Mas quero perguntar-te se isto voltou a passar aí pelos Fantas...

12:54 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Não sei se voltou a passar no Fantasporto, pois como já o havia visionado e as projecções propostas eram bastante interessantes... deixou de ser prioridade.

1:38 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Eu percebi que já tinhas visto mas como ultimamente tens postado sobre obras que passam no Fantas pensei que o tinhas revisto por lá...

2:07 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

:)

Curiosamente, este post surge de um sonho que tive há dias...
Estranho, hein? Nem por isso. São indícios da deliciosa patologia que coexiste com os apaixonados pela Sétima Arte.

2:41 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Que giro :)
Embora seja curioso, percebo perfeitamente pois às vezes também me ocorre ir encontrar a dormir lembranças de filmes...

12:51 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Vá lá... não sou assim tão incompreendido. :)

9:04 da manhã  

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