domingo, junho 26, 2005

“Batman Begins”, de Christopher Nolan

Class.:

Um filme de super-heróis necessita de uma harmoniosa mescla de 4 elementos (pelo menos): argumento, personagens, atmosfera e acção. Christopher Nolan arranca uma história sagaz, favorecendo o diálogo em detrimento da acção e a caracterização a visuais pomposos. No entanto a nova introdução no universo Batman falha, pois o brilhante Nolan não domina cinema de acção e dissolve a obscuridade característica do super-herói. O filme vale pela originalidade na qual um super-herói é apresentado.

Os thrillers psicológicos e provocantes de Nolan (“Memento” e “Insomnia”) estabeleceram-no como novo talento do panorama cinematográfico, com um estilo de realização notável, e um exímio domínio na caracterização. Imbuindo seus filmes numa sensibilidade e visuais noir, “Batman Begins” é igualmente film-noir por excelência, ostentando os elementos característicos: culpa, dor, perda. O tema primordial do filme é o medo. O herói confronta o seu profundo medo e acaba transformado na entidade aterradora. O morcego é um símbolo pessoal para Bruce, o mesmo que introduziu o medo na sua infância, e na fase adulta funciona como permanente lembrança da noite na qual os pais foram assassinados. Bruce usa o seu disfarce de morcego para intimidar e manipular o medo dos seus oponentes, assim como para gerir o seu.

O treino de Wayne por Ra’s Al Ghul num templo aninhado nas montanhas do Tibete é um momento magnífico, apesar de curto. Habituado a encenações selvagens e naturais (Insomnia), Nolan transforma o panorama frio em algo grandioso. O seu estilo cristalino, os movimentos suaves e o seu gosto pelo lirismo, adaptam-se modelarmente ao estado mental de Bruce Wayne. Nolan pinta um retrato profundo do órfão, dissecando psicologicamente a personagem atormentada pela necessidade de uma relação paternal, e pelo desejo de vingança.

A sinistra introdução de Bale dentro do fato é maravilhosa, pois apercebemo-nos claramente da substância que petrifica os seus inimigos de medo. No entanto o engenho da acção que sucede à brilhante introdução estagna. Não obtemos boas visualizações de Batman em movimento, graças a extremos close-ups, cortes bruscos e sobrecarregada sombra. A acção que pauta os ataques de Batman é uma mixórdia de imagens geradas numa rápida edição que oculta os movimentos do Justiceiro das Trevas.

Christian Bale (que mais recentemente imitou Lindsay Lohan em “The Maquinist”) oferece a melhor interpretação de sempre do multi-milionário Bruce Wayne. A sua carismática presença domina a tela e invoca memórias cinéfilas para as suas interpretações como criança desolada (“Empire Of The Sun”) e como adulto ameaçador (“American Psycho”). No entanto, Michael Keaton permanece imperturbável no trono de melhor Batman de sempre. Keaton injectou no Justiceiro das Trevas uma única e fundamental dose de humor e sarcasmo (completamente ausente em “Batman Begins”).
O senhor Michael Caine (Alfred), o estupendo Morgan Freeman (Lucius Fox), o brilhante e multifacetado Gary Oldman (Jim Gordon) e o talentoso Cillian Murphy (Scarecrow) oferecem interpretações bem acima da média.

Apesar da humanização de Batman, Nolan negligência o herói. A aproximação de Nolan é profunda e brilhante a espaços, mas exibe dificuldades em lidar com o mito. Ocupado com a sua concreta aproximação, revelando e expondo todas as facetas do herói, ele esquece-se de glorificá-lo como tal. Nolan não se atreve a divertir com o material. Não pretendo dizer que o filme seja corriqueiro (aliás, irá entreter muitos fãs e público em geral), no entanto é terrivelmente sóbrio tendo em conta ser a adaptação de um comic. A profunda psicologia revela o talento e a inteligência de Nolan, mas a excitação que deveria povoar as adaptações BD escasseia.

O facto do filme ser catalogado por muitos como hiper-realista, não convence. Como será então explicado um tanque a pular de prédio em prédio? O ridículo da cena quase iguala o Batmobile subindo verticalmente uma parede em “Batman Forever”. Gotham City foi transformada numa metrópoles e ficou extremamente semelhante a Chicago (com sistema monorail incluído). Gotham deixou de ser a cidade de Batman… o filme evoca a Metrópolis de Superman. Perdeu a glória gótica que a distingue, passando a ser uma gothic-wannabe gerada por alguém sem a delicada sensibilidade obscura. Bruce está neste filme mais assexuado que nunca e a presença de Katie Holmes é oca. A interacção com Bale recorda por vezes as frívolas e patéticas cenas românticas de Lucas na trilogia de prequelas para “Star Wars”. Não existe interesse romântico, nem sensualidade, nem o erotismo de uma sedutora presença feminina. A trilha sonora é eficaz, mas não arrebata. Olvidaram igualmente a presença um tema exclusivo para Batman.

“Batman” de Tim Burton continua a ser a minha adaptação BD predilecta, seguida pelos dois “Spiderman” de Sam Raimi. É a adaptação que apresenta um superior número de elementos cinematográficos sobre elementos da Nona Arte. Cinema é uma forma de Arte e BD é outra, ambas devem ser devidamente distinguidas e Burton conseguiu realçá-lo como ninguém até hoje. Batman é a minha personagem BD favorita (apesar de não ser um comic geek): é fascinante, misterioso, detentor de uma complexidade ímpar. E quanto a mim, Batman nunca foi convenientemente cuidado, pois apesar de Burton ter elevado as películas (“Batman”, “Batman Returns”) com um esplendor gótico (apoiado numa tremenda banda sonora do prodigioso Danny Elfman), descuidou um pouco o herói em detrimento de um memorável Joker e de uma sumptuosa Gotham City. Depois Schumacher maltratou a saga (incluindo mamilos no Batsuit!... por exemplo). Nolan mudou definitivamente a natureza, o significado da mesma, desprezando o que Burton tinha alcançado nos dois primeiros filmes. Ele tem o mérito de tentar o impossível num blockbuster de Verão, explorando os recantos da mente de um super-herói em detrimento da sobreposição do espalhafato das cenas de acção e reiniciando corajosamente a saga. No entanto o filme carece dos elementos que deveriam hospedar uma adaptação BD, falta-lhe magia, excitação e divertimento. Falta-lhe um Joker no baralho, um elemento de perversidade. Creio que Burton e Nolan juntos fariam a Batman a merecida e derradeira homenagem, sem falhas. Enfim… devaneios pessoais.

Apesar de ser agradável para muitos observar a dissecação de um super-herói, eu preferia que Nolan o mantivesse vivo. É oferecida uma explicação lógica para tudo o que Bruce faz e para todas as suas engenhocas (até para o Batmobile e o Batsuit!!!). Dramaticamente o filme é um portento, uma robusta concepção. Nolan oferece uma película perspicaz, numa soberba análise e decomposição da psique de um super-herói. Mas… Depois de tudo ser desvendado sobre as raízes de Batman, o seu distinto lado negro, obscuro e sombrio dissipa-se e o herói torna-se tão curioso como um truque mágico revelado. Perde dimensão mítica.

14 Comments:

Blogger Mussolini said...

Apesar de bastante extensa, tens aí uma grande análise: clara, concisa e objectiva.
Concordo quando referes que as imagens de Batman em acção são, por vezes, um pouco confusas. Assim como concordo com a oca presença de Katie Holmes. Tirando isso, acho que é um óptimo filme. O próximo será certamente melhor. :)

2:06 da tarde  
Blogger Hitler said...

Concordo com o pedro quando diz que és objectivo e claro, mas em alguns aspectos da análise. Por exemplo é de propósito Nolan filmar os "ataques" do Batman do ponto de vista da vítima, e também dar algum sentido à transformação de Bruce Wayne em Batman, já que este não é um super herói com poderes sobre naturais, ele é um homem, que tem de arranjar maneiras de se tornar superior de alguma forma.
Em relação à Katie Holmes é realmente a presença mais pobre de todo o filme, até as europeias têm mais piada!!
Mas eu gostei bastante do filme, assim como gostei dos dois de Burton, e continuo a gostar do Batman!

2:51 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

E viva aos blockbusters de Verão :P!
Um conselho: vão ver antes o Crash, que saiem muito mais bem servidos. Grande filme!

Cumprimentos cinéfilos

4:13 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Pedro: Peço dscp pela extensão da análise, mas Batman é o meu héroi preferido e fiquei um pouco desiludido. Em relação ao próximo, não percebo como irão encaixar o Joker que é uma persona tão cartoony, num suposto universo realista. Mas tb acredito num bom filme, acredito...

Ana: Respeito a tua opinião e sei perfeitamente que a captação dos movimentos de Batman é propositada. Mas isso não desculpa a trapalhada e confusão de imagens. E não era necessário recebermos uma explicação tão detalhada de Batman. Não somos espectadores néscios! Adoro Batman, pela sua natureza humana e obscuridade, mas neste filme dissiparam completamente a bruma admirável e singular que o encobria.

s0lo: o meu próximo filme será "Madagascar"... dps de um filme tão sóbrio, preciso de umas gargalhadas... :)

7:56 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Tenho de deixar de ter grandes esperanças nos filmes... :\

11:10 da manhã  
Blogger gonn1000 said...

Já li todo o tipo de críticas, desde o muito bom ao muito mau...em breve espero ver para saber se convence ou não.

12:49 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Vale a pena ver!

1:02 da tarde  
Blogger Carlos M. Reis said...

Mas ninguem leu isto?

" Christian Bale (que mais recentemente imitou Lindsay Lohan em “The Maquinist”) "

LOLOLOL

Muito bom katateh, era para já ter visto este Batman mas vai ficar para a semana. Agora tou como o s0lo, quero ver primeiro o Crash.

Um abraço!

5:11 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Finalmente alguém reparou na piada... lol

Obg Knox, só tu mesmo!!! Obg!!

Abraço!

5:32 da tarde  
Blogger Mussolini said...

A bit late, mas também tinha reparado...
Muito bom! :)

11:55 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

;)

7:20 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Admito que aguardo ansioso o próximo "The Dark Knight".

9:37 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Elucidativo,contundente e um bom roteiro.isso foi importante para esclarecer o lado homem do Batman e não enfatizar tanto o lado super heroi.mas faltou alguma coisa presente nos filmes do Tim Burton que nos fazia sentir (fãs antigos do Batman)uma estranha e agradavel sensação,tauvez a trilha sonora do genial Danny Elfman ou a sombria Gotham city dos quadrinhos tão bem retratada nos filmes de Burton.Mas mesmo assim foi um bom filme estou aguardando as inovações de the dark knight com o novo coringa em ação.

12:45 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Aguardando impacientemente "The Dark Knight"... sem dúvida.

8:49 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home

Site Meter