domingo, junho 12, 2005

“Sin City”, de Robert Rodriguez

Class.:

“Aim careful, and look the devil in the eye.” (John Hartigan)

Visualmente inventivo, hipnótico e leal à índole da sua inspiração, “Sin City” dá vida às páginas de uma Banda Desenhada, num nível sem precedentes na história do cinema. É uma compilação de três histórias situadas numa decadente metropolis infestada de crime. Declaradamente film-noir, “Sin City”, nasce da colaboração entre o realizador Robert Rodriguez (“El Mariachi” - um dos meus filmes de culto da década de 90), e o romancista gráfico Frank Miller, escritor e ilustrador dos contos “The Hard Goodbye”, “The Big Fat Kill” e “That Yellow Bastard”.

O filme divide-se em três histórias (quatro, contando com a introdução). No primeiro segmento existe o protótipo matulão, Marv (interpretado maravilhosamente por Mickey Rourke), que se apaixona perdidamente por Goldie (Jaime King). Quando na manhã seguinte ao único encontro, acorda e vê Goldie morta ao seu lado, envereda por um brutal trilho que o dirige para o centro nevrálgico do domínio da cidade. O segundo segmento foca-se em Dwight (Clive Owen), que se envolve com a rapariga errada (Brittany Murphy) e um polícia corrupto (Benicio Del Toro), emaranhando-se num grupo de prostitutas lideradas por Gail (Rosario Dawson). Por último um polícia em fim de carreira chamado Hartigan (Bruce Willis), tenta salvar uma jovem rapariga (Jessica Alba), das garras de um assassino/violador (Nick Stahl).

Assim como no filme “Sky Captain and the World of Tomorrow” (2004), os actores filmaram com um fundo verde e o panorama em redor foi posteriormente adicionado através de computação gráfica onde algumas páginas dos livros de “Sin City” foram claramente usadas como storyboards, numa fotografia muito preto e branco, com pontos de exclamação coloridos pincelando o ecrã, o tracejar das formas de uma femme-fatale, splashes de sangue provenientes de brutais homicídios salpicando a tela. É um negro esticado ao limiar do abstracto, imagem transformada em iconografia. A utilização da cor, matizando aqui e ali a fotografia preto e branco já havia sido utilizada em “Pleasantville” de Gary Ross (1998) e por Spielberg numa magistral cena do filme “Schindler’s List”. Aquela na qual uma criança com um vestido cor-de-rosa tenta esconder-se das tropas nazis, e mais tarde tornamos a visionar o pontinho cor-de-rosa numa pilha de cadáveres. Era Spielberg no seu melhor, numa cena memorável e silenciosamente arrasadora.

Mas voltemos ao maravilhoso “Sin City”. Outra influência bem visível é a de Tarantino (com créditos na realização), na estrutura narrativa à la “Pulp Fiction” onde pequenas histórias são interligadas. A sua contribuição oficial é limitada a uma cena de carro com Clive Owen e Benicio Del Toro. Apesar da obra ter sido meticulosamente reproduzida e não adaptada (vontade expressa de Rodriguez), experimentei este filme como um poderoso exercício de estilo. Esta película não é um exercício narrativo (nem pode ser avaliada como tal), é sim uma pujante experiência visual e Rodriguez atinge níveis de puro brilhantismo nesta Obra-Prima técnica. Até na direcção de actores, ele é sublime neste filme. O elenco contém alguns dos nomes mais sonantes da actualidade, mas nunca associamos as personagens que eles interpretam em “Sin City” com as suas personagens prévias. Não vemos actores, contemplamos personagens (desalmadas é certo, mas servindo irrepreensivelmente a película). Não poderia deixar de mencionar Elijah Wood, que interpreta talentosamente Kevin. Há muito tempo que não sentia tamanho fascínio por um vilão. Ele habitará os pesadelos de muitos, graças a uma representação assombrosa (a todos os níveis).

Neste excêntrico, violento, sexista, sensual e sádico mundo de fantasia cartoon, Rodriguez agarra logo na primeira frame o espectador pela jugular e nunca mais o liberta até ao final. À medida que os heróis matam abrindo caminho em direcção à verdade, a brutalidade atinge um pináculo frenético de redenção e remorso. Seja através de electrocussões ou esquartejamentos, nenhuma forma de aniquilação é suficientemente gore para as imaginações extravagantes de Rodriguez/Miller, neste filme Pulp-Noir (como prefiro apelidar este género).
Com uma ambiência brumosa, “Sin City” é uma vívida experiência, reveladora da virtuosa visão e inimitável estilo como artista “comic” de Miller e da explosiva imaginação de Rodriguez como realizador, combinando intrépida e revolucionária cinematografia com acessibilidade comercial. “Sin City” é uma viagem estrambólica, uma amálgama de fascínio e repulsa destinada a converter-se num clássico de culto. O filme não alcança as portas do Paraíso, mas é um pecado olvidá-lo.

7 Comments:

Blogger Carlos M. Reis said...

Simplesmente brilhante :)

Excelente critica!

2:28 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Tb adorei... ponderei imenso sobre o filme e apesar de não me arrebatar como a ti, verifiquei que realmente o filme emana uma imponente poesia cinematográfica!

Pena é certos portugueses não atingirem a relíquia... no entanto detectei imensa rejeição infundada e contradições pessoais... enfim... as opiniões são pessoais, mas tvz haja kem ñ a tenha!

Ninguém soube justificar plausivelmente porque n gostou do filme e isso infelizmente salienta a pobreza lírica e argumental de certos "críticos"...

Não apreciem como eu inicialmente não apreciei, mas justifiquem-se com fundamentos e acima de tudo: NÃO SE CONTRADIGAM!!! (relativamente a anteriores críticas)

Abraço knoxville e bons filmes para todos!!

3:40 da tarde  
Blogger Mussolini said...

Ainda não tive tempo de ir ver 'Sin City', espero fazê-lo durante esta semana, assim como 'Mr & Mrs. Smith'. Com o elenco de luxo que têm, penso que este filme têm a fórmula perfeita para se tornar num clássico. Li algures que 'Sin City 2' já está em marcha, há alguma info sobre isto?

Mais uma excelente review, começo a ter pena de não ter descoberto este blog há mais tempo!

5:47 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Pedro existirão (pelo menos) mais dois "Sin City".

Rumores indicam que o segundo filme seguirá a trama de "Sin City: a Dame to Kill For".

O terceiro filme da série poderá vir a ser filmado ao mesmo tempo que o segundo. Terá um roteiro original, escrito por Frank Miller especialmente para o cinema.

Abraços.

6:57 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Tarantino é o melhor realizador da nossa geração!

4:00 da tarde  
Blogger Spaceboy said...

Agradou-me muito a grande fidelidade do filme em relação à BD e adorei todos aqueles contrastes de cores. Um dos filmes do ano.

1:50 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Realmente, um dos grandes do ano!

9:30 da manhã  

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