Andrey filma Andrey
Fotograma de “Andrey Rublyov”
“Andrey Rublyov” poderá ser interpretado como uma alegoria às batalhas pessoais de Andrey Tarkovsky enquanto artista. Num dos mais emblemáticos segmentos do filme, a angústia provocada pela realidade maléfica e opressora de uma Rússia medieval, leva o monge e pintor de ícones ao isolamento (através de um voto de silêncio e desistência da pintura). Até que encontra o adolescente Boriska, filho de um fabricante de sinos morto pela peste, que clama ter herdado a faculdade paterna quando se vê incumbido de engendrar um sino para um monarca, sob a ameaça de decapitação caso o objecto não badale. Boriska entrega-se com toda a paixão ao trabalho e, quando o sino ecoa, confessa, entre histeria e lágrimas, que havia mentido ao revelar que conhecia os segredos do pai. Sua obra não nascera do conhecimento, mas da fé. Nesse momento, movido pela experiência, Andrey Rublyov convida Boriska a acompanhá-lo até ao Mosteiro, onde, enquanto regressaria à pintura, seu amigo dedicar-se-ia à construção de sinos. Os dois homens abraçam-se, perto do local onde a cena da crucificação do segundo episódio foi filmada, mas neste instante a cruz é substituída pelo sino, representativo da ressurreição de Andrey. Lentamente, a imagem a preto e branco dissolve-se nos fragmentos coloridos dos frescos de Andrey Rublyov, e desta forma, directamente das cinzas, ascende uma imagem poética. É neste formato de metáfora harmoniosa que Tarkovsky subverte categorias narrativas, esculpindo estruturas misteriosas que no limite nos revelam a Arte como montagem de ideias, sentimentos e memórias incompletas. Cabe à nossa convicção, à nossa fé, fundir os fragmentos disseminados.
6 Comments:
Li pouco do teu texto para não arruinar ainda mais a minha 1ª vez com este filme (temi que contásses coisas relevantes!)... Mas quero perguntar-te se isto voltou a passar aí pelos Fantas...
Não sei se voltou a passar no Fantasporto, pois como já o havia visionado e as projecções propostas eram bastante interessantes... deixou de ser prioridade.
Eu percebi que já tinhas visto mas como ultimamente tens postado sobre obras que passam no Fantas pensei que o tinhas revisto por lá...
:)
Curiosamente, este post surge de um sonho que tive há dias...
Estranho, hein? Nem por isso. São indícios da deliciosa patologia que coexiste com os apaixonados pela Sétima Arte.
Que giro :)
Embora seja curioso, percebo perfeitamente pois às vezes também me ocorre ir encontrar a dormir lembranças de filmes...
Vá lá... não sou assim tão incompreendido. :)
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