"El Laberinto del Fauno", de Guillermo Del Toro
Class.:
Tenebrosas rimas visuais
Esta Obra-Prima arranca com «Era uma vez…», mas a partir daí torna-se impecavelmente específica. Enraizado no paralelismo de dois mundos, “El Laberinto del Fauno” expande a partir de um cenário onde elementos fantásticos são embutidos nos horrores reais de uma Espanha totalitária, providenciando uma janela para a mente de uma criança que procura refúgio da barbaridade e tristeza que gravitam em seu torno. Será que este subterfúgio a faz tombar num portal para uma realidade alternativa, ou será tudo conjurado pela sua fértil imaginação?
Quando o fascismo oprime o território, as únicas opções dos cidadãos são a submissão ou a resistência camuflada. Para uma criança, um ser cuja socialização requer uma determinada soma de repressões nos impulsos de identidade, tal ambiente torna-se tão complexo, que uma retirada para o abrigo da imaginação poderá ser a solução mais viável. Mas tendo em conta a dimensão da atrocidade palpável no mundo real, como será a trama que reveste o reino quimérico?
Arvorar um filme em torno de uma criança não torna implícita a fofa ramificação de um floreado familiar luzidio. E uma das inúmeras qualidades de Guillermo Del Toro é compor com prodigiosos laivos fantasistas, a perspectiva do mundo sob a óptica de uma criança: repleto de magia aconchegante e protectora, mas igualmente hostil e ameaçador numa frequência aterradora.
É raro contemplar um filme que mesmeriza com tamanha excelência abrangente, embrulhando profundidade temática, envolvência dramática e estímulos visuais com laços de originalidade. “El Laberinto del Fauno” é uma visão transcendental filmada com poesia vibrante. Sua interpretação emerge do seu visual em vez de ser subjugada pelo mesmo e desta forma, Del Toro ministra sensações genuínas para estimular a reflexão. Em “Cronos” (1993), já demonstrava engenho na manipulação do género fantástico, mas “El Espinazo del Diablo” (2001) ascendeu-o ao Olimpo que acolhe os deuses fantasistas contemporâneos. O filme, também assente nas sombras da guerra civil espanhola, era um conto de fantasmas com sensibilidade política na exposição de espectros da História. Todavia, com seus perigos omnipresentes refinando a narrativa, “El Laberinto del Fauno” torna fantasmas similares em visões robustas e bem mais claras de demónios de carne, osso e sangue. A produção é maravilhosa e uma das suas relíquias é o design sonoro, envolvendo de forma sublime os sentidos. Amplificando ruídos miúdos como os queixumes nocturnos do soalho ou o tilintar metálico de uma lâmina desfazendo a barba, a película providencia uma poderosa experiência audiovisual. Evitando os estardalhaços sonoros que provocam sobressaltos fúteis, predomina o ajuizado investimento num chiar gorgolejante que nos eleva a pulsação, adensando a inquietação das imagens que se formam na tela e na mente.
A magistralidade da realização do cineasta mexicano fica asseverada em criativas rimas visuais, numa transposição fluida entre realidade e fantasia. A forma como os mundos são fundidos é assustadoramente perfeita. A inspirada imagética depaupera pesadelos e recantos sombrios da imaginação, quando equiparados com os demónios da realidade. “El Laberinto del Fauno” é uma fábula negra que ecoa em todos os seus recantos a inevitabilidade de um mito intemporal. É uma fábula para adultos, seres que pela urgência da assimilação do mundo que os envolve, elaboram um ângulo de visão que deturpa e consome algumas almas ao longo do caminho. Daí a relevância de uma criança no coração da obra, no centro do tumulto de uma nação que luta pela sua definição. Os instintos surreais de Del Toro orientam-se através de um olho moral, num território repleto de subtexto e significado. A ressonância é inebriante. Os conflitos entre o ilusório e o real reforçam-se mutuamente com subtileza, na exploração do poder, da corrupção, da resistência e da inocência. O filme é um tributo ao poder esplendoroso da imaginação e seu cariz ambíguo é determinante para a sua coerência final. Conduzindo-nos à raiz da fantasia e do horror com drama psicológico perfeitamente imbuído, Guillermo Del Toro prova eloquentemente seu estatuto de cartógrafo da História do Encanto. “El Laberinto del Fauno” é uma Obra de Arte que questiona os limites da Fantasia. Fantasia essa, que representa o punhal dos inocentes na demanda pela transcendência sobre as forças do mal.
P.S. 1: Este filme foi visionado na Sessão de Abertura do 27º Fantasporto.
P.S. 2: Peço desculpa pela intermitência das actualizações, mas tenho-me debatido com problemas informáticos e o vagar para aferir a sua gravidade não é muito, pois o FANTAS usurpa-me deliciosamente o tempo. Todavia, conto resolver o problema da forma mais célere possível. A ver vamos…
P.S. 3: Não deixem de marcar presença no FANTAS. Hoje é dia de “Time” e “The Host”, entre outros.
Tenebrosas rimas visuais
Esta Obra-Prima arranca com «Era uma vez…», mas a partir daí torna-se impecavelmente específica. Enraizado no paralelismo de dois mundos, “El Laberinto del Fauno” expande a partir de um cenário onde elementos fantásticos são embutidos nos horrores reais de uma Espanha totalitária, providenciando uma janela para a mente de uma criança que procura refúgio da barbaridade e tristeza que gravitam em seu torno. Será que este subterfúgio a faz tombar num portal para uma realidade alternativa, ou será tudo conjurado pela sua fértil imaginação?
Quando o fascismo oprime o território, as únicas opções dos cidadãos são a submissão ou a resistência camuflada. Para uma criança, um ser cuja socialização requer uma determinada soma de repressões nos impulsos de identidade, tal ambiente torna-se tão complexo, que uma retirada para o abrigo da imaginação poderá ser a solução mais viável. Mas tendo em conta a dimensão da atrocidade palpável no mundo real, como será a trama que reveste o reino quimérico?
Arvorar um filme em torno de uma criança não torna implícita a fofa ramificação de um floreado familiar luzidio. E uma das inúmeras qualidades de Guillermo Del Toro é compor com prodigiosos laivos fantasistas, a perspectiva do mundo sob a óptica de uma criança: repleto de magia aconchegante e protectora, mas igualmente hostil e ameaçador numa frequência aterradora.
É raro contemplar um filme que mesmeriza com tamanha excelência abrangente, embrulhando profundidade temática, envolvência dramática e estímulos visuais com laços de originalidade. “El Laberinto del Fauno” é uma visão transcendental filmada com poesia vibrante. Sua interpretação emerge do seu visual em vez de ser subjugada pelo mesmo e desta forma, Del Toro ministra sensações genuínas para estimular a reflexão. Em “Cronos” (1993), já demonstrava engenho na manipulação do género fantástico, mas “El Espinazo del Diablo” (2001) ascendeu-o ao Olimpo que acolhe os deuses fantasistas contemporâneos. O filme, também assente nas sombras da guerra civil espanhola, era um conto de fantasmas com sensibilidade política na exposição de espectros da História. Todavia, com seus perigos omnipresentes refinando a narrativa, “El Laberinto del Fauno” torna fantasmas similares em visões robustas e bem mais claras de demónios de carne, osso e sangue. A produção é maravilhosa e uma das suas relíquias é o design sonoro, envolvendo de forma sublime os sentidos. Amplificando ruídos miúdos como os queixumes nocturnos do soalho ou o tilintar metálico de uma lâmina desfazendo a barba, a película providencia uma poderosa experiência audiovisual. Evitando os estardalhaços sonoros que provocam sobressaltos fúteis, predomina o ajuizado investimento num chiar gorgolejante que nos eleva a pulsação, adensando a inquietação das imagens que se formam na tela e na mente.
A magistralidade da realização do cineasta mexicano fica asseverada em criativas rimas visuais, numa transposição fluida entre realidade e fantasia. A forma como os mundos são fundidos é assustadoramente perfeita. A inspirada imagética depaupera pesadelos e recantos sombrios da imaginação, quando equiparados com os demónios da realidade. “El Laberinto del Fauno” é uma fábula negra que ecoa em todos os seus recantos a inevitabilidade de um mito intemporal. É uma fábula para adultos, seres que pela urgência da assimilação do mundo que os envolve, elaboram um ângulo de visão que deturpa e consome algumas almas ao longo do caminho. Daí a relevância de uma criança no coração da obra, no centro do tumulto de uma nação que luta pela sua definição. Os instintos surreais de Del Toro orientam-se através de um olho moral, num território repleto de subtexto e significado. A ressonância é inebriante. Os conflitos entre o ilusório e o real reforçam-se mutuamente com subtileza, na exploração do poder, da corrupção, da resistência e da inocência. O filme é um tributo ao poder esplendoroso da imaginação e seu cariz ambíguo é determinante para a sua coerência final. Conduzindo-nos à raiz da fantasia e do horror com drama psicológico perfeitamente imbuído, Guillermo Del Toro prova eloquentemente seu estatuto de cartógrafo da História do Encanto. “El Laberinto del Fauno” é uma Obra de Arte que questiona os limites da Fantasia. Fantasia essa, que representa o punhal dos inocentes na demanda pela transcendência sobre as forças do mal.
P.S. 1: Este filme foi visionado na Sessão de Abertura do 27º Fantasporto.
P.S. 2: Peço desculpa pela intermitência das actualizações, mas tenho-me debatido com problemas informáticos e o vagar para aferir a sua gravidade não é muito, pois o FANTAS usurpa-me deliciosamente o tempo. Todavia, conto resolver o problema da forma mais célere possível. A ver vamos…
P.S. 3: Não deixem de marcar presença no FANTAS. Hoje é dia de “Time” e “The Host”, entre outros.
16 Comments:
Não podia começar de outra maneira....
Amigo Francisco, infelizmente não pude ir assistir a este mas espero ir ao novo do Darren Aronofsky - The Fountain.
Na altura certa divulgarei também a minha opinião sobre este novo filme.
Os bilhetes por acaso não têm esgotado com facilidade? Só se pode comprar na véspera...
meu amigo!
Bom Fantas sem Fanta......limão ou laranja!
Abraço de amizade
RPM
E que peensas tu de Babbel? Boa noite e abraço.
Como você mesmo disse: uma obra-prima! Finalmente alguém (no caso, Guillermo del Toro) capaz de nos contar uma fábula digna do gênero (e não aquela enganação hollywoodiana chamada Harry Potter). O mímico Doug Jones é simplesmente fantástico (como, aliás, já tinha sido em Hellboy). Quem sabe a academia não toma vergonha na cara e reconhece o cara com o oscar de melhor filme estrangeiro (não custa nada!).
(http://claque-te.blogspot.com): Pecados Íntimos, de Todd Field.
180min: Começou maravilhosamente.
José Miguel: Também estarei na Sessão de Encerramento. Não poderia faltar à projecção do novo de Aronofsky.
Rui: É mais com Super Bock... :)
Abraço amigo!
PR: "Babel" é um dos melhores filmes do ano de 2006. A minha opinião mais fundamentada encontra-se na barra lateral.
Abraço!
Roberto: Bem verdade. Também admito uma enorme admiração pelo trabalho que Doug Jones tem vindo a desenvolver. Neste filme, além do Fauno, interpreta o Pale Man numa das melhores cenas do filme.
Que inveja... :P
Quem me dera viver no Porto por estas alturas!
é realmente uma fabula que era necessária dentro do universo da fantasia, e nada melhor que Del Toro para a contar, ele que sempre teve a tendência para dar mais aos projectos do que eles necessariamente ofereciam no inicio, como foi o caso de Hellboy... que só não foi pior como se estava à espera, se não fosse o seu toque especial...
Edgar: E na quinta temos "Paprika" :P
Membio: Será que é desta que o público reconhece definitivamente o talento de Del Toro?
Não vou ler o teu comentário ainda, porque não vi o filme. Mas se deste 5 estrelas parece que a expectativa vai ser saciada.
Abraço
Será bastante saciada.
Abraço!
Lamento não concordar contigo, embora tenha tentado, e de certa forma percebido, o que te tocou e maravilhou tanto neste filme.
Apesar de a sua ideia ser imensa, não creio que a concretização tenha alcançado a genialidade. Queria que se mantivesse até ao fim a ambiguidade do mundo de fantasia (real ou escape interior?), esperava um prolongamento da tensão na realização das provas... Manteve-me interessada mas não me maravilhou por inteiro e, pior, não me surpreendeu nos seus desenlaces...
É justamente a sua coesão que transcende toda a exposição levada a cabo. Pena que os sussurros visionários de Del Toro permaneçam invisíveis para muitos, mas entendo dolorosamente a razão de tal intervalo contemplativo.
"Apesar de a sua ideia ser imensa, não creio que a concretização tenha alcançado a genialidade."
De acordo com a Helena, senti que faltava algo. Quero ver se o revejo!
Entendo e percebo esse sentimento. Mas pessoalmente, saí plenamente satisfeito.
Já vi o filme, já li o texto, numa palavra um filme mágico.
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