domingo, junho 19, 2005

"Pulp Fiction", de Quentin Tarantino

Class.:

"I’m trying real hard to be a shepherd." (Jules Winnfield)
Quentin Tarantino abalou a Sétima Arte com este genial filme neo-noir, o sucessor da sua obra inaugural “Reservoir Dogs”. “Pulp Fiction” transcende o mundano, e surpreende com a sua originalidade. É criativo, irónico, brutal, engraçado, “cool”, profundo e desarma com a íntima doçura da relação entre Butch e Fabienne. “Pulp Fiction” combina exaustão com excitação. Entre os tiroteios, banhos de sangue e outras violentas confrontações, vislumbram-se igualmente explorações das múltiplas facetas da experiência humana, incluindo renascimento e redenção. Ao dissecar o filme, somos conduzidos a algo profundo e rico, pois “Pulp Fiction” é uma Obra-Prima, a superior obra da década de 90 e um dos mais valiosos baluartes da Sétima Arte.

Neste filme Tarantino confirmou ser o mais inteligente e talentoso storyteller da actualidade. “Pulp Fiction” é uma narrativa não-linear, assentada numa antologia de histórias sem uma conexão explícita, até ao seu desfecho. A acção decorre em Los Angeles, e a narrativa intercala três diferentes histórias num prólogo e epílogo. Na cena inicial um casal criminoso com as alcunhas Honey Bunny (Amanda Plummer) e Pumpkin (Tim Roth) discute a evolução criminal de lojas de bebida para restaurantes. Após o prólogo surge o diálogo e a introdução de Jules Winnfield (Samuel L. Jackson) e Vincent Vega (John Travolta). A partir daqui o fascínio pelo filme irrompe numa interminável espiral. A harmonia da interacção é envolvente e a forma como cumprem os desígnios do autoritário Marsellus Wallace (Ving Rhames) com um grupo de adolescentes traficantes é memorável. Outra cena inesquecível decorre num restaurante temático dos anos 50, onde Vincent janta dentro de um Chrysler com Mia (Uma Thurman), depois de Marsellus o ter incumbido da vigilância da sua irresponsável mulher. Butch (Bruce Willis) é um lutador de boxe azarado com múltiplas personalidades e com um inflexível sentido de honra. Planeia fugir com a sua namorada europeia Fabienne (Maria de Medeiros) e acaba por enfrentar o momento mais obscuro da obra, simultaneamente com o seu perseguidor (Marsellus). A fita apresenta ainda Mr. Wolf (Harvey Keitel), numa performance repleta de humor-negro, acalmando Jimmy (Tarantino) depois de Vincent ter morto alguém dentro do seu carro, impregnando-o de sangue.

Quentin Tarantino mistura nas suas obras humor, violência, cor, diálogos cativantes e sublimes bandas sonoras. Os actores brilham e alguns são revigorados nos seus projectos. Como tal, “Pulp Fiction” funciona a muitos níveis. É um filme clássico com técnicas modernas. Enquanto os diálogos remoem na nossa cabeça, o filme faz pontaria ao nosso coração e uma das principais farras do filme é observar pequenos desentendimentos darem origem a tremendas explosões de violência, realçando o seu poder satírico e mantendo-nos fixados ao ecrã.



A violência já foi pensada por teóricos e cineastas como uma experiência fundamental do cinema, intimamente ligada à própria estrutura do fluxo audiovisual. As imagens violentas produzem um certo sobressalto no espectador. Esse sobressalto de sensações é gerado pela associação de imagens mais líricas e poéticas com imagens absolutamente violentas e inesperadas. Um choque sensorial, um soco visual capaz de levar a um entendimento. A violência necessária para sairmos da inércia do hábito, dos pensamentos habituais. Deixados entregues à nossa "bela alma", enclausurados no efémero quotidiano, pensamos muito pouco. O filósofo francês Henri Bergson chega a comparar o "homem do hábito" à vaca no pasto: ruminando satisfeito, grau zero de pensamento.

Tarantino explora em “Pulp Fiction”, uma máxima de Hitchcock: “Os filmes representam a vida real, sem os pormenores aborrecidos”. Quando em 1994 “Pulp Fiction” arrebatou Cannes vencendo a Palma de Ouro, o mundo provou uma injecção de adrenalina, tal como Uma Thurman. O filme é poético, despretensioso, expressa vigorosa energia, gera poderosos momentos sarcásticos e apresenta uma profunda mensagem de sobrevivência. Se as personagens sobrevivem ou não, é insignificante. O que realmente importa é o máximo de diversão que elas possam obter neste enorme e sórdido universo. O filme almeja a nossa complacência pela vida, pelas nossas almas.

Exemplo do raro talento do realizador é encontrar e manifestar comédia, nas situações mais macabras. A partir do momento em que entramos num mundo criado por Tarantino, ouçamos ou vejamos preconceitos quebrados e personagens ensopadas em sangue, deixamo-nos ir com a corrente. Ele torna o seu bizarro mundo, em algo plausível. E este é um dos seus inúmeros atributos (talvez o mais brilhante): instalar-nos na sua gloriosa mente inventiva. Quentin Tarantino representa todos os fãs de bom cinema. Absorveu filmes como uma esponja, sorveu a linguagem e magia cinematográfica, género após género. Iniciou-se escrevendo argumentos e tornou-se o mais audaz, extravagante, excitante e talentoso realizador da sua geração.

“Pulp Fiction” detém uma banda sonora excitante, provocadora e perpétua. As imagens que imbuem o filme grudam-se à nossa mente (o restaurante Jack Rabbit Slim, a dança entre Mia e Vincent, a overdose de Mia, Butch e a espada), os diálogos são soberbos, rápidos, inteligentes e divertidos (o monólogo de Jules, Royale with Cheese, a massagem aos pés, o conto do relógio). O mestre Tarantino criou um deslumbrante protótipo para o cinema moderno, e onze anos volvidos, o filme está meritoriamente canonizado. “Pulp Fiction” não é um filme de cabeceira… é um Filme de Altar.

14 comentários:

  1. Bem, Antes de mais, um abraço Katateh. Tenho de confessar que me surpreendeste com esta tua faceta oculta. Deconhecia o teu profundo conhecimento em relação à setima arte. Daqui para a frente esquece lá as listas e os registos chatos que digo para fazeres e começa-me a mandar listas dos melhores filmes :).
    Dou-te os meus sinceros parabens porque sem duvida tens um blog culturalmente enriquecedor.

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  2. Ainda não vi este filme do Mestre Tarantino :(...shame on me!!! Grande análise.

    Cumprimentos cinéfilos

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  3. Mem Gimel: Obrigado. És o maior! ;)

    s0lo: shame on you Mr. s0lo!! :D

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  4. Boa escolha. Bom realizador. Bom post.

    Keep up the good work!

    P.S. dado o talento inato que o Francsico detém em atrair comments, adivinha-se que da próxima visita este post seja alvo de cerca de mais 13... lol ;)

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  5. Não são muitos os filmes contemporâneos que têm a fama e aclamação que merecem. Pulp Fiction conseguiu-o e é talvez o melhor exemplo. A cena no corredor que antecede o momento com os traficantes adolescentes, é de génio absoluto, principalmente quando Travolta(no seu melhor) fala de maionese. That's brilliant! brilliant!

    Cumps cinéfilos

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  6. Este é, para mim, O filme do senhor Tarantino. Excelente texto, não lhe falta nada! ;)

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  7. Pedro: Keep the good work too!

    Gravepisser: Realmente o diálogo de Vincent e Jules sobre a tal massagem nos pés é excelente!!

    André: "Reservoir Dogs"... bela introdução ao Tarantino World.

    Vera: Keep the good work too... e sim... é o filmaço do Tarantino!!

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  8. Maravilhoso mas não o meu favorito de Tarantino.

    Kill Bill 1&2, seguidos de Pulp Fiction, Reservoir Dogs e finalmente Jackie Brown.

    Gostava de ver a critica ao Kill Bill katateh :P

    Um abraço.

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  9. Um dia destes Knoxville... prometo!!

    Hasta!

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  10. Uma grande obra dum grande realizador! Um filme indispensável a qualquer amante de cinema.

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  11. Sinceramente não te sei responder a essa questão.

    Obrigado pela visita.

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