quarta-feira, fevereiro 28, 2007

"The Host", de Bong Joon-ho

Class.:



A profundidade que o Entretenimento pode hospedar

Um dos filmes mais aclamados do ano festivaleiro transacto, chegou finalmente a Portugal via Fantasporto. “The Host”, o mais recente filme do sul-coreano Bong Joon-ho é uma fusão compacta de drama familiar, comédia, horror, ficção científica e sátira política. Aconchegado num embrulho de monster movie, o filme apresenta uma criatura mutante que emerge do rio Han, semeando o pânico com uma voracidade indomável por carne humana. Uma das suas vítimas é Hyun-seo, filha de Gang-du, que é arrastada pela criatura e desaparece. Como resultado do ataque do ser monstruoso, sua família tomba numa profunda agonia pela sua perda, à medida que são aprisionados em quarentena juntamente com os residentes da cidade, pois as autoridades proclamam que o monstro espalha um vírus mortal. Quando menos espera, Gang-du recebe uma luz de esperança sobre a sobrevivência da filha e juntamente com seus familiares decide embarcar numa missão de salvamento… sendo que para tal, terão de escapar à quarentena imposta.



The Host” hospeda uma premissa esgotada e emana algo completamente inesperado em profundidade e entretenimento. Ignorando completamente mecanismos como o de “Jaws”, que mantém o monstro oculto até um determinado momento, Bong Joon-ho pavoneia sua besta logo nos momentos iniciais, em plena luz do dia, numa marcha de pura visceralidade. Sinceramente, considero esta invasão inicial absolutamente Perfeita em execução, numa consistente amálgama de suspense, empolgamento e humor negro. Apesar do final revelar lampejos das limitações orçamentais, a concepção do vilão é realística e seus sustos bastante eficazes. Mas o coração da história é a exposição de laços de amor e responsabilidade familiar. Apesar das constrições do género, Bong evita com mestria as ratoeiras que poderiam aniquilar suas sensibilidades. Não existem heróis vangloriosos, nem super-poderes individuais que embarcam numa jornada solitária contra a besta. Tudo gira em torno da aliança de uma família comum, buscando o poder incomum que pulsa no seu âmago, quando paira uma aura de fatalidade no seio da sua união. Sentimos suas amarguras e suas frustrações e a luta interna que travam para se manterem unidos é mais intensa que certos ataques do mutante. Toda uma panóplia de metáforas pode ser retirada deste filme e todos poderemos apreender algo sobre as preocupações sócio-políticas de um país (Coreia do Sul). Existe uma crítica à influência americana na cultura oriental, à constante interferência dos Estados Unidos nos assuntos nacionais (e porque não globais?), pois quando a aberração emerge, surgem logo forças americanas com a utilização do caos para instituir a lei marcial, com o intuito de aniquilar em solo forasteiro um monstro da sua criação. O hospedeiro (“Host” do título) poderá muito bem ser a própria Coreia do Sul, que ao alojar militares americanos poderá fervilhar abominação sob a superfície da sociedade coreana. As referências de injustiça ambiental são inclusivamente intemporais, pois na utilização do químico Agente Amarelo, existe uma alusão ao Agente Laranja espalhado na Guerra do Vietnam. A abrangência da crítica foca ainda a inaptidão do governo em asseverar direitos humanos para todos os seus cidadãos, desde uma alimentação básica, abrigo, emprego e segurança. “The Host” é um dos filmes mais divertidos dos últimos anos, edificado por um dos mais inteligentes cineastas orientais, Bong Joon-ho, autor do brilhante “Memories of Murder”. Além dos sustos da praxe existe comédia negra bem potente, cortesia de um elenco impecável e de um argumento perspicaz, que na sua densa componente humana eleva factores burlescos e trágicos. “The Host” deveria ser estudado por todos aqueles que desejam seguir pegadas de entretenimento com substanciais histórias originais que transcendem géneros.

terça-feira, fevereiro 27, 2007

Den Brysomme mannen

Jens Lien, cineasta norueguês que merece ser divulgado e acompanhado (como o FANTAS fez ontem), apresenta-nos Andreas, um homem sem memória. Atracando numa cidade desconhecida, vê-se prontamente brindado com um emprego, uma casa e até uma esposa. Todavia, um novo e mais sofisticado Big Brother espia algures. “Den Brysomme mannen” é uma criação artística que demonstra a batalha entre um espírito sensível e uma sociedade assente em arquétipos de uma realidade fleumática. Lien não tenta revolver o absurdo do organismo social, mas investe na costura das linhas trágicas de um mundo austeramente perfeito. Nesta ilusão de lógica flutuam brisas de felicidade, mas odores de putrefacção surgem na constatação da ausência de laços emocionais. Andreas é o único que chora no visionamento de filmes, o único que suspira pelo som de uma criança. Até a comida carece de paladar, o álcool de potência e o sexo de Amor. Mais do que uma arrojada crítica aos mecanismos superficiais de uma sociedade escandinava, esta é uma parábola à sociedade moderna de consumo, imersa na obsessão das aparências e dos luxos materiais. “Den Brysomme mannen” é uma obra que merece reconhecimento, magnífica na manifestação inquietante da sociedade contemporânea como barreira emocional, alicerçada numa base de insanidade funcional.

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Olhar matador


Gort, em “The Day the Earth Stood Still


Cyclops, em “X-Men

sábado, fevereiro 24, 2007

"El Laberinto del Fauno", de Guillermo Del Toro

Class.:



Tenebrosas rimas visuais

Esta Obra-Prima arranca com «Era uma vez…», mas a partir daí torna-se impecavelmente específica. Enraizado no paralelismo de dois mundos, “El Laberinto del Fauno” expande a partir de um cenário onde elementos fantásticos são embutidos nos horrores reais de uma Espanha totalitária, providenciando uma janela para a mente de uma criança que procura refúgio da barbaridade e tristeza que gravitam em seu torno. Será que este subterfúgio a faz tombar num portal para uma realidade alternativa, ou será tudo conjurado pela sua fértil imaginação?

Quando o fascismo oprime o território, as únicas opções dos cidadãos são a submissão ou a resistência camuflada. Para uma criança, um ser cuja socialização requer uma determinada soma de repressões nos impulsos de identidade, tal ambiente torna-se tão complexo, que uma retirada para o abrigo da imaginação poderá ser a solução mais viável. Mas tendo em conta a dimensão da atrocidade palpável no mundo real, como será a trama que reveste o reino quimérico?
Arvorar um filme em torno de uma criança não torna implícita a fofa ramificação de um floreado familiar luzidio. E uma das inúmeras qualidades de Guillermo Del Toro é compor com prodigiosos laivos fantasistas, a perspectiva do mundo sob a óptica de uma criança: repleto de magia aconchegante e protectora, mas igualmente hostil e ameaçador numa frequência aterradora.



É raro contemplar um filme que mesmeriza com tamanha excelência abrangente, embrulhando profundidade temática, envolvência dramática e estímulos visuais com laços de originalidade. “El Laberinto del Fauno” é uma visão transcendental filmada com poesia vibrante. Sua interpretação emerge do seu visual em vez de ser subjugada pelo mesmo e desta forma, Del Toro ministra sensações genuínas para estimular a reflexão. Em “Cronos” (1993), já demonstrava engenho na manipulação do género fantástico, mas “El Espinazo del Diablo” (2001) ascendeu-o ao Olimpo que acolhe os deuses fantasistas contemporâneos. O filme, também assente nas sombras da guerra civil espanhola, era um conto de fantasmas com sensibilidade política na exposição de espectros da História. Todavia, com seus perigos omnipresentes refinando a narrativa, “El Laberinto del Fauno” torna fantasmas similares em visões robustas e bem mais claras de demónios de carne, osso e sangue. A produção é maravilhosa e uma das suas relíquias é o design sonoro, envolvendo de forma sublime os sentidos. Amplificando ruídos miúdos como os queixumes nocturnos do soalho ou o tilintar metálico de uma lâmina desfazendo a barba, a película providencia uma poderosa experiência audiovisual. Evitando os estardalhaços sonoros que provocam sobressaltos fúteis, predomina o ajuizado investimento num chiar gorgolejante que nos eleva a pulsação, adensando a inquietação das imagens que se formam na tela e na mente.

A magistralidade da realização do cineasta mexicano fica asseverada em criativas rimas visuais, numa transposição fluida entre realidade e fantasia. A forma como os mundos são fundidos é assustadoramente perfeita. A inspirada imagética depaupera pesadelos e recantos sombrios da imaginação, quando equiparados com os demónios da realidade. “El Laberinto del Fauno” é uma fábula negra que ecoa em todos os seus recantos a inevitabilidade de um mito intemporal. É uma fábula para adultos, seres que pela urgência da assimilação do mundo que os envolve, elaboram um ângulo de visão que deturpa e consome algumas almas ao longo do caminho. Daí a relevância de uma criança no coração da obra, no centro do tumulto de uma nação que luta pela sua definição. Os instintos surreais de Del Toro orientam-se através de um olho moral, num território repleto de subtexto e significado. A ressonância é inebriante. Os conflitos entre o ilusório e o real reforçam-se mutuamente com subtileza, na exploração do poder, da corrupção, da resistência e da inocência. O filme é um tributo ao poder esplendoroso da imaginação e seu cariz ambíguo é determinante para a sua coerência final. Conduzindo-nos à raiz da fantasia e do horror com drama psicológico perfeitamente imbuído, Guillermo Del Toro prova eloquentemente seu estatuto de cartógrafo da História do Encanto. “El Laberinto del Fauno” é uma Obra de Arte que questiona os limites da Fantasia. Fantasia essa, que representa o punhal dos inocentes na demanda pela transcendência sobre as forças do mal.



P.S. 1: Este filme foi visionado na Sessão de Abertura do 27º Fantasporto.
P.S. 2: Peço desculpa pela intermitência das actualizações, mas tenho-me debatido com problemas informáticos e o vagar para aferir a sua gravidade não é muito, pois o FANTAS usurpa-me deliciosamente o tempo. Todavia, conto resolver o problema da forma mais célere possível. A ver vamos…
P.S. 3: Não deixem de marcar presença no FANTAS. Hoje é dia de “Time” e “The Host”, entre outros.

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Simplicidade de cortar a respiração

Certo dia, o lendário argumentista italiano Tonino Guerra pediu a Andrey Tarkovsky a descrição do final de “Stalker”, plano a plano, como se ele fosse cego. O mestre anuiu:

Um grande plano: a filha do Stalker, uma menina doente, segura um livro nas mãos. A cabeça envolta num lenço. Vemo-la de perfil à frente de uma janela. A câmara recua lentamente e apanha uma parte da mesa. A mesa em grande plano coberta por louça suja. Dois copos e um frasco. A menina pousa o livro nos joelhos e repete o que acabou de ler. Fita um dos copos. Sob o poder do seu olhar o copo começa a mover-se em direcção à câmara. Então ela desvia o olhar para o outro copo e também este começa a deslocar-se. Depois olha de novo para o primeiro copo, que já está no meio da mesa, e nós percebemos que ele se move graças à força do seu olhar. O copo cai no chão, mas não se parte. Ouvimos um comboio a passar perto da casa, fazendo um ruído estranho. As paredes da casa abanam, tremem cada vez mais. A câmara volta ao grande plano da menina e assim, com este som, com este ruído, o filme acaba.


sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Escoltar "Stalker"


O cão negro como alegoria do diabo.
Quanto mais nos aproximamos de Deus, mais o diabo se aproxima de nós.


Ninguém sabe explicar o misterioso advento de uma nova Zona no nosso globo. Será efeito de um meteorito ou experiência alienígena? Casas abandonadas, tanques enferrujados e cobertos pela vegetação testemunham silenciosos aqueles que tentaram desvendar o segredo pela força. Apesar do perigo do isolamento decretado pelo governo, muitos tentam entrar, pois acreditam que lá encontrarão um local, uma câmara onde todos os desejos são concedidos. Somente alguns marginais conhecidos como Stalkers, sabem evitar as armadilhas espalhadas por todos os lados e penetrar nesta Zona. Um Stalker guia um cientista e um escritor que pretendem desvendar o mistério. Durante esses labirintos, nos quais se move e parece agir, avaliando, indicando e ousando, terá de enfrentar enormes provações. Será que a sua eficácia depende da fé? Enquanto seus companheiros esgrimem argumentos numa eloquência articulada, Stalker balbucia e rebenta em prantos. Ele consegue senti-la, como uma cicatriz que flagela o corpo ou, como algo muito menos superficial.

A preocupação primordial da obra de Andrey Tarkovsky é deambular pelo tempo, exigindo um nível de atenção absolutamente incompatível com a placidez do Cinema comercial. Seu Cinema apresenta um carácter introspectivo, complexo, preciso e profundo, onde questões humanas são sempre colocadas em primeiro plano. Poucos cineastas tomaram uma posição tão dramática pela espiritualidade humana como Tarkovsky. Numa era onde o Cinema evapora de uma caldeira asquerosa de trivialidade cinicamente luxuosa, onde relações humanas se reduzem a artificiosas intrigas sexuais, este cineasta ostenta a sombra de um guerreiro solitário no centro de um apocalipse cinematográfico. E este guerreiro chegou mesmo a ofertar a vida em sacrifício pela sua paixão, pois filmado em parte na Estónia, em instalações radioactivamente contaminadas, “Stalker” terá contribuído para o surgimento do cancro que o levou deste mundo em Dezembro de 1986. Repleto de planos-sequência, embarcamos numa digressão visual que acciona uma excursão interior pelos ramais existenciais. Tarkovsky sempre demonstrou minúcia com processos, desde fogo, brisa, água fluindo e até com o Sol despontando num plano assombroso de “Nostalghia”. Os movimentos de câmara são lentos, propositadamente prolongados para não perturbarem a beleza da imagem projectada. A voz é escassa, e quando irrompe não significa propriamente um diálogo, mas um monólogo. Em “Stalker” cada um fala consigo mesmo sem esperar resposta, numa narrativa metafísica submersa num detalhe que espelha normas da consciência humana: subjectividade, sapiência e assimilação da relação entre o ser humano e o ambiente. Através da acumulação de valores simbólicos (cientista representando a Ciência e escritor personificando a Arte) de alguns agentes do alquebrado corpo social, Tarkovsky demonstra visualmente que o desfecho de uma colisão com divergências desta magnitude, só pode resultar em sujidade e destruição. Mas “Stalker” não é um filme sobre a morte. Existe um manifesto compromisso com a vida. O microcosmos pincelado é moribundo, mas uma vez que a matéria é constantemente sacudida pela brisa ou por impulsos semelhantes aos que activam o ciclo da água, então das ruínas será reedificada a vida.

Sinto-me triste. Ainda não será desta que irei contemplar esta obra numa tela de Cinema. Na retrospectiva do Cinema Russo que o Fantas do presente ano oferta, apenas marcam presença as suas obras (igualmente notáveis) “Andrey Rublyov” e “Zerkalo”. A câmara do mestre russo testa a realidade das pessoas e das paisagens que apreende. Uma realidade conspurcada, debilitada, desfeada, decadente. Seus universos demonstram decomposição numa densidade prodigiosa, encorajando o olho humano a servir a mente e a alma, escavando camadas imagéticas ilimitadas. Apenas a experiência de uma projecção na tela ebúrnea, ilumina na plenitude a razão pela qual Andrey Tarkovsky é um dos excelsos exploradores da Sétima Arte.


P.S.: Estimados leitores, colegas e amigos, vemo-nos por aqui na próxima quarta-feira. Irei aproveitar para sorver os prazeres de um fim-de-semana prolongado.
E para todos os amantes da Sétima Arte, convém relembrar como o compromisso de Tarkovsky com a Arte também ficou imortalizado no seu livro “Esculpir o Tempo”. Revisitem. Descubram. É uma obra essencial para quem pensa, respira, expira, sente, contempla e vive Cinema.

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Black Bird



O proprietário de um famoso restaurante de San Francisco oferece 25000 dólares a qualquer Sam Spade amador, que descubra o paradeiro da famigerada réplica do Maltese Falcon. Mais do que um mero restaurante, John’s Grill é um museu dedicado ao escritor Dashiell Hammett, que se tornou local de crime após os empregados terem dado falta da respectiva estatueta, juntamente com 15 livros raros de e sobre Hammett. Quanto a outros possíveis furtos, o dono John Konstin respondeu com um lacónico: «Ainda não contamos todos os garfos e facas».

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Que dia é hoje?



É mais um dia venturoso unido a TI.

terça-feira, fevereiro 13, 2007

9



Com produção a cargo de Tim Burton e Timur Bekmambetov, a assombrosa curta-metragem de Shane Acker, “9”, irá ser expandida para o formato de longa-metragem. A animação de computação gráfica de 2005 segue um boneco de trapos vagueando num cenário pós-apocalíptico, outrora dominado pelos humanos. À solta, deambula uma criatura mecânica devoradora de almas.
Quem teve o privilégio de visionar a curta, sabe que não existe diálogo. Contudo, a versão longa-metragem que se desenvolve no Luxemburgo, terá o contributo vocal de Christopher Plummer, Martin Landau, Elijah Wood e John C. Reilly. A visão de Acker suporta múltiplos elementos cinemáticos, mas convém tecer renovadas complexidades narrativas para opulentar a tapeçaria que se pretende alargar. A curta, essa é magistral e fausta em atmosfera.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

O seu a seu dono



A Pixar confirmou que “Toy Story 3” será o seu filme de 2009, seguindo “Ratatouille” (29 de Junho próximo) e “Wall-E” (2008). A realização estará a cargo de Lee Unkrich, que co-realizou “Toy Story 2”, “Monsters, Inc.” e “Finding Nemo”. John Lasseter, realizador dos dois primeiros filmes, disse que o melhor fruto colhido da fusão com a Disney foi terem interrompido o projecto que a Disney desenvolvia para “Toy Story 3”, separada da Pixar. Agora, Lasseter e magos da companhia podem trabalhar na “sua” história, tendo convocado para redigir o argumento, nada mais, nada menos que Michael Arndt, autor da prodigiosa penada de “Little Miss Sunshine”.

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

"Little Children", de Todd Field

Class.:


Purgatório suburbano

Perdida num casamento desprovido de amor, Sarah (Kate Winslet) ganha atracção por Brad (Patrick Wilson), um pai desempregado que desespera por momentos de individualismo juvenil, enquanto sua esposa (Jennifer Connelly) roga pelo seu amadurecimento, incitando-o a estudar para concluir definitivamente o curso. Sentindo na pele o atrofio dos subúrbios, ambos embarcam num romance que enleva Sarah a explorar o seu intelecto adormecido, bem como a sua volúpia sexual, enquanto Brad readquire significância juvenil. Entretanto, o bairro é presenteado com a chegada de Ronnie (Jackie Earle Haley), um ex-presidiário acusado de práticas ilícitas frente a crianças. Defendido pela mãe num território de vizinhos enraivecidos que exigem o seu extravio, Ronnie batalha pela recuperação do seu lugar no mundo, inseguro quanto à supressão dos seus impulsos depravados.

Little Children” é baseado no romance de Tom Perrotta, autor de “Election”, que por sua vez deu origem ao filme de Alexander Payne. Todd Field compõe um ambiente hermético, elevando o artifício para erigir um mundo sufocado por suspeições e explorando dinâmicas familiares abaladas por interferências externas. Este é um conto rico em nuances, metáforas e ironia, com requintes de farsa doméstica, que se fixa em três casais, dois unidos pelo matrimónio e um unido pelo laço maternal. Após o excelente “In the Bedroom”, Field demonstra fascínio pelas personagens vagueando por rituais estéreis, numa fábula moral sobre as armadilhas que o ser humano arma à sua identidade quando se recusa a crescer. As crianças que o título original (“Little Children”) menciona não são os filhos… são os próprios adultos. As crianças propriamente ditas são envolvidas de forma tangencial, sobretudo na conexão dos adultos, pois não passam de peões nas perseguições falhadas de felicidade dos seus pais. O foco é orientado para os adultos e respectivos comportamentos infantis, numa obstinada recusa em amadurecerem inseridos numa cultura obcecada com a juventude.



Apesar de alguns espectadores acusarem Ronnie de servir como um desvio escusado do melodrama romântico central, encaro esta personagem como um elemento-chave de “Little Children”. A maioria das personagens mente e adultera a sua essência, mas Ronnie representa o único ser humano absolutamente sincero consigo próprio. A dose ambígua que ministra, dilata temas de julgamento e percepção patentes na narrativa. A química entre Jackie Earle Haley e Phyllis Somerville (mãe de Ronnie) é enternecedora. Jennifer Connelly faz o que pode com umas linhas de texto algo preguiçosas, mas o caso de ócio gritante encontra-se no papel do marido de Sarah, apresentado como um unidimensional cyber-porno-dependente. Wilson emana impecavelmente a faceta ingénua da sua personagem enquanto desperta gradualmente propósitos de atracção, mas o coração do filme é Winslet. O filme retorna sempre à lucidez de Sarah, uma mulher que mortificou a sua sensibilidade feminina. Ela tem perfeita noção das consequências da sua acção, mas é sugada inevitavelmente pelo centro de gravidade de Brad, pela ideia de salvação, pela guarida contemplativa.

Little Children” retrata bairros inconfortáveis de sexualidade, explorando vielas de adultério e becos de perversão. Povoado por adultos com máscaras de maturidade e segurança que ocultam desconfortos íntimos, estes seres mais assustados que crianças percorrem travessas existenciais num compasso moral que expõe a sua perdição. Os pais não reconhecem suas necessidades, nem as premências de seus rebentos, mas julgam-se versados no juízo de Ronnie. Esta é uma história sobre a forma como julgamos os outros, sobre a forma como somos julgados e sobre a forma como nos auto-julgamos. Todavia, para um filme que desafia expectativas, o seu final torna-se algo complacente. Durante mais de duas horas escoltamos crianças ignoradas, suspiros devassos, perversão silenciosa, impulsos de tragédia e pregações visuais de libertação, mas a resolução não passa de uma demonstração de condescendência. A alusão ao romance “Madame Bovary” de Gustave Flaubert é escancarada num vácuo de subtileza na conexão temática e mesmo a narração que transborda do filme, resulta numa desnecessária amplificação literária que seria melhor aplicada numa série televisiva como “Desperate Housewives”. “Little Children” é daqueles filmes mais fáceis de admirar que amar.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

60º Festival de Cannes



Numa ruptura com a tradição, um determinado número de filmes a ser exibido na 60ª edição do Festival Internacional de Cinema de Cannes ainda não teve estreia mundial e, jamais estará disponível para lançamento. Os filmes em questão serão curtas-metragens de 2/3 minutos e farão parte das comemorações do 60º aniversário do festival. As 30 curtas estarão a cargo de nomes como Wong Kar-wai, Hou Hsiao-hsien, Gus Van Sant, Tsai Ming-liang, Theo Angelopoulos, Ken Loach, Michael Cimino, Wim Wenders, Lars von Trier, Amos Gitai, Abbas Kiarostami, Chen Kaige, o nosso Manoel de Oliveira e ainda estão por confirmar cineastas como David Lynch, Quentin Tarantino, os irmãos Coen, Emir Kusturica, Nanni Moretti e os irmãos Dardenne. Stephen Frears será o presidente do júri e o festival decorrerá entre os dias 16 e 27 de Maio.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Mashup #8



E se utilizassem o conceito de “V for Vendetta”, adicionando personagens da Rua Sésamo? Como seria um futuro, onde o consumo de bolachas era controlado pelo governo? Cliquem na imagem e não se esqueçam:

People should not be afraid of cookie.
Cookie should be afraid of people.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

The Brothers Bloom



Este é o título do próximo filme de Rian Johnson, autor de “Brick”. Rachel Weisz (“The Constant Gardener”) foi a primeira confirmação do elenco, ao qual se junta agora Adrien Brody (“The Pianist”) e Rinko Kikuchi (a Chieko de “Babel”). Novamente escrito e realizado por Johnson, o filme gira em torno de dois irmãos que estão entre os melhores vigaristas do mundo e que irão experimentar dificuldades na derradeira artimanha, graças a uma misteriosa e excêntrica milionária (Weisz). As filmagens serão encetadas este mês e para acederem ao esboço do site oficial, cliquem na imagem acima exposta.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Na minha consideração...

Nem tudo o que luz é Oscar.

sábado, fevereiro 03, 2007

Freeze Frame



Numa semana que marca a estreia em salas nacionais de “Little Children”, nada como recordar um dos meus Filmes de Altar de Ang Lee, intitulado “The Ice Storm”. Os paralelos cunham a sua presença na exploração dos subúrbios, no exame da dinâmica instável da família num mundo volúvel. São contos do galope etário, do desenvolvimento dos progenitores provocando fissuras colaterais nos filhos, sugerindo que a idade nem sempre equipara o padrão da percepção. O filme de Lee é imaculável na sua magistralidade silenciosa. O homem vem de Taiwan e consegue retratar a sociedade americana da época do Watergate melhor que os próprios nativos, numa lição de ritmo, cumplicidade espectador-filme, direcção de elenco e noções de argumento. Argumento esse, pujante e mordaz, que arrasta o espectador num turbilhão emocional, num congelamento de trocas afectivas. Criador exímio de vívidos sentidos de espaço, Lee isola as suas personagens numa tempestade de gelo, focando a atenção na gélida deterioração dos Hoods e dos Carvers, abalando taboos sociais numa desconstrução moral da perseguição de nexos e satisfações existenciais. À medida que as famílias se vão liquefazendo dos adultérios paternos e dos ensaios sexuais juvenis, existem subtis comutações entre farsa sexual, drama adolescente e tragédia pungente, enquanto o Inverno glacial espelha o esfriamento emotivo e correspondente devastação familiar. “The Ice Storm” é o dissecar lancinante do frio anímico que se apodera de quotidianos de conforto e rotina. Para quê aguardar complacente por uma tempestade exterior que nos deixa o interior combalido? Porque não quebrar o gelo por conta própria?

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Pompeia

Roman Polanski (“Chinatown”, “Repulsion”, “Rosemary's Baby” e “The Pianist”, entre outros) irá realizar “Pompeii”, um thriller dramático com o vulcão do monte Vesúvio como pano de fundo. O protagonista será um jovem engenheiro encarregue da reparação de um enorme aqueduto, cuja destruição ameaça o Império Romano. O final é do conhecimento público, o que torna o pormenor do aqueduto uma ironia negra. O filme terá um orçamento caprichoso de 130 milhões de dólares e será baseado no bestseller de Richard Harris, que também se encontra responsável pelo argumento. As filmagens serão encetadas no próximo Verão italiano.

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Say Cheese!



Vai um brinde?
A DreamWorks e os Estúdios Aardman concluíram a sua parceria no Cinema, sem o cumprimento do acordo de produção de cinco filmes de animação. Das cinco longas-metragens idealizadas, apenas foram lançadas três: “Chicken Run”, “Wallace & Gromit in The Curse of the Were-Rabbit” e “Flushed Away”. Um dos responsáveis da DreamWorks, Jeffrey Katzenberg, referiu que se tratou de uma «diferença de objectivos de negócio» entre as duas empresas. Arthur Sheriff, porta-voz da britânica Aardman, evocou «divergências quanto a ambições de trabalho». Tendo em conta um historial de cortes de orçamento imprevistos, restrições/manipulações de criatividade e o cruel extermínio de “Tortoise and the Hare”, isto só poderia representar uma boa nova para quem segue com enorme apreço a magia de Park, Lord e companhia. Força Aardman!
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